A esquerda portuguesa abandonou os seus ideais
Para os homens da minha geração e para os de gerações anteriores a esquerda republicana (não comunista) era detentora de um património moral invejável e de uma consistente e respeitabilíssima ideologia assente nos princípios da igualdade dos cidadãos, da laicidade, da escola pública como educadora e da não-discriminação. A herança da modernidade era o seu distintivo. O mesmo se verificou globalmente nos outros países europeus, ressalvados diferentes enquadramentos históricos, mas ao lado dos quais tem de se passar aqui.
Não vem ao caso saber se os homens (e mulheres, não vá ser mal interpretado) da I República portuguesa entre 1910 e 1926 conseguiram levar a cabo tão ambicioso programa. Em minha opinião, não, e o que fizeram teve até efeitos contrários na economia e na instrução, apesar do palavreado intrujão com o qual inundaram o país. Tal era o medo que tinham da província que reduziram o país a Lisboa; não desenvolveram o interior nem o alfabetizaram. O Partido Republicano não era mais do que uma seita de jacobinos elitistas e sectários que atrasou décadas o desenvolvimento global do país. Mas não quero fazer aqui o balanço histórico do que foi a primeira república portuguesa. Chamo apenas a atenção para o facto de a estratégia tão portuguesa de a enaltecer e de culpar o período que se lhe seguiu, dito «fascista», pelos falhanços do presente não é intelectualmente séria; a democracia portuguesa não precisa de viver de mentiras históricas.
A realidade é que independentemente do rotundo fracasso das suas realizações, a esquerda republicana quis sempre apresentar-se – e pela ordem que segue – como a herdeira do iluminismo contra o preconceito social, o obscurantismo religioso e o poder não legitimado. Liberdades civis e políticas, igualdade dos cidadãos, sufrágio se não universal, pelo menos alargado, democracia parlamentar, laicidade do Estado, escola pública gratuita e obrigatória para níveis não superiores, eis o programa emancipador de que sempre se gabou e com toda a razão. Foi esta a ética constitucional e (mais tarde) republicana, o melhor que gerou e que no nosso país começa (aos tropeções) em 1822 e, sob outra versão, em 1836. Foi também esta a ética das 3 primeiras repúblicas francesas só que estas, apesar de tudo, conseguiram, resultados visíveis e, apesar de tudo, positivos.
Só que as coisas modificaram-se muito. A esquerda radical de origem vintista e setembrista que veio a presidir ao Partido Republicano de Afonso Costa, e que se reproduz in vitro nos nossos dias através de exemplares clonados cada vez mais caricatos, não se apercebeu disso.
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O que se verifica hoje é muito diferente. A esquerda continua presa ao passado anticlerical e jacobino, A direita,........
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