A ditadura das minorias
Assistimos hoje a um fenómeno persistente de que poucos têm consciência. Trata-se da deformação da democracia.
As suas raízes começaram recentemente com a chamada pós-modernidade. Até então todos tínhamos sido criados na noção de que a verdade existia, fosse ela a religiosa, desde Abraão, ou a científica, desde Galileu e Descartes, mas nela confiávamos pois era ela o mais seguro antídoto contra a ignorância e a mentira. Mesmo na verdade cristã, a razão nunca deixou de estar presente porque os seus melhores teólogos nunca aceitaram que o mundo tivesse sido criado por Deus apenas segundo a Sua vontade arbitrária, (coisa que o Islão não pode facilmente dizer), mas apenas segundo os ditames de uma razão a que os próprios humanos tinham acesso através da lei natural e não apenas Ele. O cristianismo soube desde muito cedo que havia por aqui um mundo separado de Deus de modo a nele podermos descortinar leis racionais em vez de tudo atribuir à inacessível vontade divina. A razão vestiu mais tarde a roupa da ética republicana e laica. Esta razão era universal e comum a Deus e aos homens ou, para outros, apenas aos homens, mas a todos acessível bem como a moral que com ela coabitava.
Ora, tudo isto desapareceu. A pós-modernidade deu cabo da razão universal. «Desconstruiu-a». Da modernidade iluminista reteve apenas que a razão era uma característica humana e não divina e, portanto, o mundo era apenas construído pelo homem, não havendo nada de «natural». Assim sendo, concluiu que se o homem criou o mundo este não vale mais do que ele e, portanto, o homem também o pode destruir em nome de algo «melhor». O mesmo sucedeu à moral.
O ponto de vista é este: o mal moral deixou de ser individual e de radicar nas nossas acções pelas quais somos responsáveis cá na terra e, quiçá, depois. Não. O mal foi por todos nós construído, chama-se poder, e está presente nas malvadas instituições que os homens criaram. Perante isto a moral reduz-se agora às emoções que o exercício do poder desencadeia; valem apenas o ressentimento, a inveja, a indignação, a insubmissão e o ódio ao poder. E porquê? Porque tudo o que somos foi construído pelo homem de acordo com os ditames do poder, e esta acintosa construção só nos desviou do que na realidade somos e queremos ser. Cada um pode, portanto, escolher o que lhe apetece ser, homem, mulher ou qualquer coisa de intermédio ou as duas coisas ao mesmo tempo, humano ou quase humano, carrasco ou vítima, pai ou mãe, mau ou bom, é indiferente. O domínio ressalta das convenções sociais criadas pelo homem e é isso que importa denunciar e destruir porque é a única barreira ao que a pós-modernidade engendrou: o individualismo. Só este tem valor, e o mundo é o que nós quisermos que seja, porque nada há de objectivo; tudo é fluido e passageiro.
A modernidade quis unir os homens na busca do que é comum a todos. Ora, o individualismo pós-moderno separa e isola; o pós-modernismo individualista é o nomadismo dos sentimentos e das pulsões. Sem fundo racional e ético comum são os sentimentos mais básicos que despertam. É a lógica do grupo........
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