O absurdo do voto emigrante
Como português residente no estrangeiro, já me habituei ao ritual cívico a que a democracia portuguesa nos habituou. Um ano após as últimas legislativas, estou eu novamente a tirar cópia do cartão de cidadão e a fazer fila nos correios para enviar um envelope que, com sorte, não será anulado por estar mal dobrado. Todo o processo assemelha-se mais a uma penitência kafkiana do que ao exercício sereno de um direito democrático.
Uma das grandes razões da minha saída do país foi, precisamente, o desejo de me afastar das suas mesquinhezes políticas – esse folclore institucionalizado que levou a três eleições em quatro anos, sem que daí tivesse resultado estabilidade ou progresso. A política portuguesa tornou-se numa espécie de tragicomédia em atos sucessivos, onde os protagonistas se revezam em disputas estéreis enquanto o país real definha. Portugal tornou-se um regime fatigado, onde se decide pouco e se promete em excesso.
É neste quadro que se impõe uma reflexão sobre a pertinência dos dois círculos eleitorais de portugueses no estrangeiro. Defensores desta representação evocam, quase invariavelmente, o argumento da cidadania plena: os emigrantes devem ter voz porque continuam a ser cidadãos, ligados afetivamente ao país e, nalguns casos, com interesses patrimoniais ou familiares. Contudo, trata-se de uma ficção jurídica com escasso lastro na realidade. No meu caso, como no de muitos outros, não contribuo para os cofres estatais, não usufruo de serviços públicos e não........
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