Sobre a lógica industrial do sistema educativo
Todas as manhãs o talento atravessa o portão da escola cheio de promessas e, horas depois, sai, desaproveitado e por vezes irremediavelmente perdido. Numa carteira junto à janela, uma aluna resolve o exercício de álgebra em dez minutos certeiros. Depois, passa o resto da aula a fingir que está concentrada, refém de um horário que lhe impede qualquer avanço. Duas filas à frente, um rapaz ainda tenta decifrar a pergunta quando já é empurrado para a matéria seguinte embora a de hoje continue sem fazer sentido. Agora imagine este desajuste multiplicado por milhares de salas, em milhares de escolas, todos os dias. O resultado? Um massacre silencioso de potencial humano, demasiado vasto para ser quantificado. Uma pandemia de desperdício intelectual devastadora como a peste, só que mais subtil.
Uma fábrica que produzisse alguns exemplares de excelência entre muitos que não atingem os padrões exigidos, dificilmente manteria a confiança por muito tempo. Os chefes de linha interromperiam de imediato a produção, procurariam a origem da falha e nada sairia da fábrica até que cada peça cumprisse os padrões exigidos. E, no entanto, a instituição encarregada da mais preciosa matéria-prima da civilização — a mente humana — carimba cada diplomado como um produto acabado, atribui os desistentes ao fracasso individual e sacode os ombros perante a chocante disparidade dos resultados, como se se tratasse de algo fora do seu alcance… ou, pior ainda, de uma lei da natureza.
Prezo Euclides, as mitocôndrias e Macbeth e mantenho (com alguma teimosia, admito) a convicção de que a escola existe para formar o pensamento, não para treinar a repetição. Contudo, quando um sistema concebido para desenvolver a razão deixa, com persistência, metade dos seus alunos para trás, atribuir-lhes a responsabilidade pelo fracasso não é apenas injusto é uma forma inadmissível de negligência moral. Qualquer engenheiro de sistemas com um mínimo de seriedade conhece a lei fundamental: quando os resultados divergem de forma gritante, não se culpam as peças. Revê-se, com rigor, o processo.
Esta mudança não pode ficar confinada a quem pode pagar por........
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