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Portugal, o lusófono incompetente

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Depois de, em 27 de junho de 1214, D. Afonso II ter feito redigir o testamento na língua que era o português nascente, seria D. Dinis a oficializar a língua portuguesa. O primeiro documento oficial em português, por D. Afonso II, foi a referência, em 2014, para as celebrações por várias instituições dos 800 anos da língua portuguesa, com destaque para a Assembleia da República. Mais profunda e de longo alcance foi, cerca de 1290, a decisão de D. Dinis determinar o uso obrigatório da língua vulgar – uma evolução, falada à época, do galaico-português – nos documentos oficiais da corte, em substituição do latim, medida estratégica de grande impacto histórico. Grande momento! A iniciativa conferiu estatuto oficial à nossa língua, reforçando-a como elemento da identidade nacional e instrumento de comunicação e poder para o Reino de Portugal. Nunca agradeceremos o suficiente a D. Dinis por este rasgo e visão.

Entre os historiadores é cada vez mais comum, na esteira de João Paulo Oliveira e Costa, apontar Portugal como Estado-língua. Foi a unidade linguística que ajudou a sedimentar a identidade nacional, forjar o povo português e formar a nacionalidade. Os portugueses, que não existiam antes de Afonso Henriques, passaram a ser não só os que viviam do território do Rei de Portugal e se acolhiam à sua bandeira, mas também, desde D. Dinis, os que falavam a mesma língua, distinta de todas as outras.

El-rei D. Dinis – o rosto revelado no princípio deste ano de 2025, em que celebramos o 7.º centenário da sua morte.

Consolidada a nacionalidade em 1383/85, a língua acompanha os portugueses que navegaram pelo mundo, a partir do século XV. A língua portuguesa, escolhida por D. Dinis, torna-se língua global por ser a língua dos que iam pelo oceano adentro. A nossa língua chegou a ser a língua franca do Oriente, nos séculos XVI e XVII – os holandeses do século XVII chamaram-lhe “a língua da comunicação da Ásia”. Servia navegadores e mercadores europeus de várias nacionalidades para comunicarem com os povos costeiros da África Oriental, Índia, Sudeste Asiático e Japão, desenvolvendo-se crioulos portugueses em Malaca, Ceilão e Macau. Mesmo depois da chegada e ascensão de holandeses e ingleses, o português manteve-se língua franca em muitas regiões do comércio marítimo asiático, sendo também usado como língua diplomática, comercial e missionária. Os próprios jesuítas e franciscanos escreveram gramáticas e dicionários de “português de contacto” para evangelização. O declínio no Oriente só começaria no século XVIII. Mas o português continuou a enraizar-se em África e no Brasil e permanece no Oriente.

É isto que define a nossa língua como enorme legado da História, um dos mais poderosos capitais estratégicos de Portugal. Há algumas frases de grandes da cultura portuguesa que o sintetizam, de modo lapidar. “Minha pátria é a língua portuguesa” (Fernando Pessoa). “Da minha língua vê-se o mar” (Vergílio Ferreira). “A língua portuguesa é um navio carregado de vozes” (Mia Couto). “A língua não é nossa, também é nossa” (Adriano Moreira). “O império futuro será da língua portuguesa” (Agostinho da Silva). E acrescento um pensamento de Harrie Lemmens, flamengo, tradutor de José Eduardo Agualusa, numa conferência que organizei em Bruxelas, em 2008: “Quem fala português, não sabe a riqueza que tem. Pode viajar em quatro continentes sem mudar de língua. Eu sei. Viajei em quatro continentes.”

O valor que estas frases belíssimas e verdadeiras refletem é muito desconsiderado, infelizmente, para não dizer abandonado, pelos principais centros de decisão nacionais. São frases que acentuam a ideia da Pátria-língua, a estreita ligação da nossa língua com o mar, a diversidade de povos e de culturas específicas que se abrigaram nesta língua comum e, enfim, o destino universal da língua portuguesa como valioso e único património cultural e espiritual.

Portugal dispõe de cinco ou seis grandes ativos estratégicos (ou recursos, se preferirmos), de que a língua é dos mais valiosos. Os outros são: as pessoas (nós mesmos); o território; o........

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