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O acidente do ascensor da Glória

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A nota informativa, em boa hora emitida pelo GPIAAF, acerca do acidente do ascensor da Glória sugere algumas contas rápidas, que partilho aqui.

Os dois veículos estão ligados por um cabo que passa numa polia (roldana) no cimo da instalação. Graças ao cabo, o peso dos dois veículos equilibra-se aproximadamente e basta uma força pequena para fazer um deles subir enquanto o outro desce.

A tara de cada veículo é 14 toneladas e a lotação de 42 pessoas. Isto é, a carga máxima é cerca de 17 toneladas. A inclinação média é 18%. Portanto o cabo tem de suportar um esforço de tracção da ordem de 17 × 0,18 = 3 toneladas (ver figura 1).

A primeira surpresa é a informação de que o cabo tem uma carga de rotura de 68 toneladas, porque um coeficiente de segurança tão grande não é nada habitual. Mais do que suficiente para levantar os veículos no ar, como um guindaste, sem apoio no chão!

Por que se escolheu um cabo aparentemente tão sobredimensionado? Que, ainda por cima, é substituído ao fim de 600 dias? O elevador faz menos de 90 viagens por dia, o que significa que o cabo é substituído ao fim de 54 mil ciclos de carga. Qual a justificação para trocar de cabo tão frequentemente?

A amarração dos cabos é um ponto crítico, porque de nada serve um cabo sobredimensionado se a amarração ceder. A dúvida levanta-se porque a nota descreve o novo cabo, constituído por seis cordões de 36 arames de aço com alma em fibra sintética, mas é omissa em relação ao sistema de amarração. As fotografias da figura 4 da nota do GPIAAF sugerem que se substituiu o cabo, mas se continuou a usar o sistema de fixação antigo. Ora, os cabos com alma flexível, como é o caso, não podem ser seguros por canhões de atrito, como os cabos inteiramente de aço.

A segunda surpresa é a preocupação de inspeccionar o cabo diariamente. Qual o motivo de tanta prevenção? Já se tinha detectado algum filamento partido? Os jornais referiram que a empresa contratada para inspeccionar o cabo tinha meia dúzia de funcionários nesta tarefa e que, antes disso, a equipa da Carris tinha mais de vinte funcionários: estas informações confirmam-se? É que basta uma viagem, que habitualmente demora um minuto, para todo o cabo passar diante de um observador parado e Lisboa tem apenas 3 ascensores deste tipo. Mesmo que uma inspecção se faça em câmara muito lenta, é difícil imaginar que demore mais de 5 minutos. São necessárias equipas tão numerosas para fazer 3 inspecções de 5 minutos por dia? No valor de milhões de euros?

À primeira vista, tudo isto parece desproporcionado.

Normalmente, os elementos críticos de um sistema projectam-se com redundância, que é muito mais útil que os sobredimensionamentos exagerados. Suponhamos que, para suportar as 3 toneladas, em vez de um cabo de 68 toneladas se escolhem 3 cabos de 10 toneladas. Suponhamos que esses cabos tenham uma probabilidade de falhar uma vez cada mil dias (a probabilidade é muitíssimo menor, mas um número assim torna o exemplo mais expressivo). A probabilidade de rotura simultânea dos três cabos na mesma viagem, isto é, no mesmo minuto, é........

© Observador