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Ventura e lições modernas da eterna caça às bruxas

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Poucas coisas haverá que excitem mais as multidões do que uma boa “caça às bruxas”. Há bruxas para todos os gostos e feitios, tal como pluralidade entre os que comandam as perseguições, mas houve períodos especialmente trágicos, e não me refiro a campanhas bem conhecidas de anos mais ou menos recentes. Naquilo em que estou a pensar é mesmo na enorme multiplicação de julgamentos por bruxaria e feitiçaria que aconteceu no Europa entre 1550 e 1650, por regra acompanhados por condenações e execuções em que as mais populares eram as que incluíam a morte na fogueira.

Os historiadores, quando hoje recordam esse período, que coincide com o cisma protestante, notam que as execuções foram mais frequentes nas regiões que se afastaram da Igreja de Roma do que naquelas onde a Santa Inquisição impunha a sua ortodoxia. E quando procuram compreender o porquê de tanta perseguição apontam motivos económicos – a Europa atravessava a chamada “pequena idade do gelo”, as colheitas eram mais pobres e, por ausência de rendimentos, havia mais mulheres que ficavam solteiras, o que as tornava suspeitas –, mas não só. Na verdade para a multiplicação muito terá contribuído uma revolução tecnológica que permitiu a rápida multiplicação da palavra escrita, e com ela a dos panfletos incendiários e dos boatos maldosos. Essa revolução foi a invenção da imprensa de caracteres móveis por Johannes Gutenberg.

Lembro-me muitas vezes desta história, hoje bem documentada (vejam, por exemplo, Nexus – História breve das Redes de Informação, do insuspeito Yuval Noah Harari), sempre surge a ideia peregrina de limitar a liberdade de informação nas plataformas digitais com o pretexto de “combater a desinformação”, de limitar “o perigo das redes sociais”, em boa parte porque em muitos países os eleitores começaram a votar “de forma errada”, algo que raramente se diz mas que sempre se pensa. E lembro-me porque se é hoje inimaginável que, por causa das injustiças da perseguição às bruxas, se tivesse banido aquilo que a criação de Guttemberg permitiu – a democratização do livro e, com ela, do conhecimento –, imaginem o que teria representado para a história do Ocidente queimar as suas máquinas em vez de queimar as bruxas, por muito inocentes que elas estivessem (e estavam).

Lembro-me igualmente desta história quando reparo na desorientação, ou mesmo na histeria, com que se reage a cada nova provocação de André Ventura, por regra provocações que têm apenas objectivo: fazer do líder do Chega o protagonista de todas as discussões, no limite impedindo que........

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