Quando tudo arde
No ano em que se assinalam os 50 anos das primeiras eleições livres, a estrutura de competição política e a clivagem que a norteou durante estas décadas acabou este domingo. Em boa verdade, a sua morte tinha começado em 2022, quando o Chega elegeu 12 deputados. Ontem, o fim do bipartidarismo apenas foi confirmado. A noite de ontem dará azo a muitos debates e, acima de tudo, precisamos de analisar com cuidado os inquéritos pós-eleitorais que venham a existir. Por agora, acho que vale a pena abordar três pontos macro que podem ajudar a perceber a subida do Chega e, acima de tudo, a derrota do Partido Socialista.
Em primeiro lugar, comecemos pela ascensão fulgurante do Chega. André Ventura é um político brilhante. Independentemente dos juízos normativos que faço sobre as suas propostas, há que reconhecer que, praticamente sozinho, uma vez que o Chega sem ele pouco vale, conseguiu abalar as fundações de um regime que, em 50 anos, logrou construir uma democracia e um Estado social, mas também criou imensa corrupção, bem como quadros políticos e elites culturais, académicas e de comunicação social francamente medíocres.
Como empreendedor, Ventura é, sem dúvida, um grande político. Se as elites do PSD o tivessem cooptado no momento certo, teriam à disposição um quadro que, com elevada probabilidade, levaria o partido a grandes vitórias eleitorais. Para além das suas qualidades intrínsecas, Ventura beneficiou de uma conjuntura perfeita.
Antes do mais, os ventos internacionais sopram a seu favor. Apesar de não haver uma relação de causalidade directa e ser muito difícil perceber como é que ondas políticas se arrastam de um país para o outro, a co-existência, em múltiplos países, de partidos com estruturas e projectos de poder semelhante significa, no fundo, que estes partidos estão a conseguir captar o Zeitgeist que importa.
Depois, Ventura fundou o partido no momento certo. Há eventos na sociedade que têm uma grande componente de aleatoriedade e até de caos, que não derivam exactamente de um nexo de causalidade formal. Quando Ventura estava a formar o partido, Costa estava a abrir Portugal como nunca ao estrangeiro, com a mal-afamada declaração de interesse, que, em pouco mais de quatro anos, deixou entrar no país mais de um milhão de imigrantes, muitos........
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