menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

Flores diferentes, o mesmo jardim: Portugal e Japão

8 1
yesterday

Em 1543, quando três mercadores portugueses aportaram à pequena ilha de Tanegashima, no sul do arquipélago japonês, dificilmente poderiam imaginar que estavam a abrir uma das páginas mais singulares da história do encontro entre civilizações. Não foram apenas os primeiros europeus a chegar ao Japão por via marítima. Foram também portadores de novidades tecnológicas e culturais que rapidamente alteraram a paisagem política e social da região. As armas de fogo portuguesas introduzidas em Tanegashima mudaram para sempre a arte da guerra no Japão, ao ponto de, em poucas décadas, já serem produzidas localmente em larga escala. O próprio vocabulário japonês absorveu a palavra “tanegashima” como sinónimo de mosquete.

Mas não foram apenas mosquetes que os portugueses trouxeram. Levaram consigo também uma atitude de abertura ao diálogo, curiosidade pelo outro e uma vontade de construir pontes. Esse espírito marcou os anos seguintes. Os missionários jesuítas, liderados por São Francisco Xavier, percorreram as ilhas nipónicas, fundaram colégios, imprimiram gramáticas e dicionários, traduziram obras religiosas e científicas. A língua japonesa foi registada com caracteres latinos no célebre Nippo Jisho, o primeiro dicionário japonês-português, publicado em Nagasaki em 1603. Foi um testemunho da ousadia intelectual dessa época: não havia receio de aprender, de ensinar, de cruzar universos mentais tão distintos.

Em 1582, a embaixada Tenshō partiu de Nagasaki para Lisboa, Roma e Madrid, levando quatro jovens nobres japoneses, educados pelos jesuítas, a conhecer o coração da Europa renascentista. Recebidos por Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal e pelo Papa Gregório XIII, deslumbraram-se com a grandiosidade da arte e da ciência ocidentais. Mas, ao mesmo tempo, deixaram a marca da cultura japonesa no imaginário europeu. Foi um momento simbólico: o Japão não era apenas recetor, era também emissário. O diálogo era recíproco.

A arte da época testemunha esse cruzamento. Os célebres Namban screens, biombos pintados com cenas do quotidiano de Nagasaki, mostram mercadores portugueses de calças largas, barbas espessas e cruzes ao peito, a interagir com japoneses curiosos. É uma imagem poderosa: duas civilizações que, vindas de extremos opostos do mundo, se olham nos olhos sem submissão, apenas com surpresa e desejo de compreender.

Esse espírito não se extinguiu com o sakoku, quando o Japão encerrou quase por completo os contactos externos e, em 1639, proibiu a presença de navios portugueses nos seus portos. A ligação luso-japonesa sobreviveu........

© Observador