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Será exagerado falar em invasão migratória?

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09.08.2025

Escrevia há dias João Marques de Almeida, a propósito do Presidente da República Portuguesa, que relativamente à “questão da imigração, os números não contam, o que conta são as “narrativas” nos media”. Numa simples frase, resumiu toda a política seguida pela maioria das elites europeias (e também americanas) nas últimas cinco décadas: o que importa não é o ser, mas o parecer. O que conta não é a razão, mas sim o pathos de que falei no texto anterior — a primeira parte da minha reflexão sobre imigração — ou seja, os sentimentos. É a política dos “bons sentimentos”, das “sondagens de popularidade”. Mas de facto: os números contam. Recentemente, o Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou que a Europa precisava de acordar e resolver a “horrível (sic) invasão de imigrantes que está a destruir a Europa”. Quando Trump fala em “invasão migratória”, não se refere, por exemplo, à imigração de europeus para os Estados Unidos ou de americanos para a Europa. Refere-se, sim, à imigração extra-europeia — ou, mais precisamente, extra-ocidental — muitas vezes proveniente do chamado Terceiro Mundo. Ou seja, à entrada de populações oriundas de fora da Civilização Ocidental, frequentemente muçulmanas, que emigram tanto para a Europa como para os Estados Unidos.

Mas será que o termo “invasão” é apropriado? Serão os números assim tão elevados que justifiquem o uso de uma palavra tão forte? Se há um mantra repetido até à exaustão por parte de algumas elites europeias — aquelas que trabalham em Bruxelas, vestem fatos Armani e auferem salários de 30.000€ mensais — é o de que a Europa sempre foi uma terra de imigração, naturalmente aberta a povos de todo o mundo. Segundo essa narrativa, o continente europeu teria sido, desde sempre, um espaço de encontros, miscigenação e sociedades multiculturais. “O Islão é uma religião europeia” segundo alguns. “Sem os árabes, os europeus ainda estariam a viver na Época Mediéval”, dizem outros (que têm uma grande imaginação, ou problemas mentais, ou ambos). Assim, qualquer pessoa que manifeste preocupação com os actuais níveis elevados de imigração é, quase automaticamente, rotulada de xenófoba, de racista, de islamófobo. Mas será mesmo assim? Não haverá uma parte de verdade quando falamos em números absurdos de entradas de imigrantes?

Responder a esta questão sem estatísticas é coisa impossível. E um dos erros que muitos à direita cometem é não aprofundar o tema com estatísticas oficiais. Quanto à esquerda, está fora de questão mencionar números — as estatísticas têm de ser silenciadas e, pelos vistos, a realidade é, para alguns, racista… Contudo, mais do que nunca, é necessário termos uma visão geral de um fenómeno que — e os resultados eleitorais mostram-no — tem preocupado os ocidentais, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Se, nalguns países — e Portugal é um bom exemplo disso — as estatísticas são muito opacas, noutros não é o caso. Além disso, muitos dados oficiais provenientes de institutos estatais misturam imigração intra-UE, intra-europeia, com imigração vinda dos tais países do chamado Terceiro Mundo, o que torna a questão ainda mais difícil de analisar. Isto abre espaço a todo o tipo de delírios: à direita, por exemplo, a ideia de que já haverá 30 ou 40% de muçulmanos na União Europeia — número que li muitas vezes em comentários e que é completamente falso; ou à esquerda, a repetição constante de que os estrangeiros extra-europeus representam apenas 1 ou 2% da população da UE — estatística que ouvimos há 40 anos, como se o número de pessoas vindas de fora da Europa nunca tivesse crescido, como se houvesse tantos nascimentos como mortes nessas populações e tantas entradas como saídas. Nem uma postura nem a outra são correctas. Por isso, proponho que vejamos os números — os que são oficiais, pelo menos.

Comecemos pela União Europeia. Em 2024, havia 29 milhões de cidadãos não
europeus na UE, 6.4% dos 449.3 milhões de cidadãos da EU (fonte). Em 2023, os países da UE concederam 5,1 milhões de autorizações de residência a cidadãos de países terceiros, ou seja, que não são membros da UE (fonte). No mesmo ano, registavam-se 25,1 milhões de autorizações de residência válidas na União (incluindo renovações de anos anteriores – fonte). Em 2024, esse número ultrapassa já os 28 milhões. A maioria das pessoas que beneficiaram dessas autorizações provinham de Marrocos, Turquia e Ucrânia – este último, um país europeu que não integra a UE (fonte). Mas encontramos também outras nacionalidades com presença significativa, como argelinos, tunisinos, congoleses, nigerianos, paquistaneses e afegãos (fonte; fonte).

Desde 2015, ano da crise dos refugiados da Síria, têm entrado, em média, entre 2,6 e 4 milhões de pessoas na União Europeia, vindas de fora do espaço comunitário: 2,6 milhões em 2015; 3 milhões em 2019; 3,7 milhões em 2023; e cerca de 4 milhões em 2024 (fonte). Quanto à imigração ilegal, esta tem vindo a crescer de forma constante ao longo da última década, até registar um ligeiro recuo em 2024: nesse ano, entraram ilegalmente cerca de 239 mil pessoas na UE, segundo o Frontex, enquanto no ano anterior o número tinha sido bastante superior, atingindo 385.000 (fonte). A militarização das fronteiras no caso da Polónia e da Finlândia tornou o acesso mais difícil para migrantes económicos ilegais, e pode explicar esta diminuição, bem como políticas cada vez mais duras como no caso da Grécia.

Segundo o Eurostat (dados de 1 de Janeiro de 2024), 44,7 milhões de pessoas a viver na UE tinham nascido fora do território comunitário (fonte). Este número engloba diferentes perfis: pessoas que mantiveram a cidadania do país de origem, sem adquirirem a de um país da UE (por exemplo, sírios, marroquinos, turcos, congoleses); pessoas nascidas fora da UE mas que adquiriram posteriormente a nacionalidade de um Estado-membro (por exemplo, um cidadão indiano que se torna português); e ainda pessoas nascidas em países europeus que só mais tarde passaram a integrar a União Europeia, como é o caso de um romeno nascido em 1990. Este total de 44,7 milhões representam um aumento de 2,3 milhões face ao ano de 2023.

Contudo, estes dados não nos dizem, por exemplo, quantos extra-europeus — pessoas cujas origens não são europeias — imigram para a........

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