A encruzilhada da História e os judeus portugueses
A ideologia conhecida como wokismo já viveu dias melhores. Os presidentes das maiores potências bélicas e territoriais do mundo, são ostensivamente contra. As correntes religiosas também. A política é o que sempre foi: imprevisível. A longa história judaica – que atravessou civilizações – é testemunha disso mesmo. Em cada época, a política é reconfigurada por quem tem a força, sejam quais forem os modelos implantados e as palavras dos textos legais. Pouco importa a retórica e as noções de certo ou errado. Os insatisfeitos submetem-se ou são eliminados. Há sempre mais amedrontados do que convencidos. Pelo menos nos próximos anos, o destino ideológico do planeta parece estar traçado numa base bem diferente daquela que tem governado até agora.
As correntes de pensamento em voga, apesar de seus diversos aspetos positivos, há muito excluíram a comunidade judaica do grupo prioritário de minorias a serem protegidas, passaram a retratar o judeu como um plutocrata por natureza, colonizador branco e alguém que merece ver silenciados os seus méritos e proclamadas as suas supostas deslealdades. Tudo isto tem sucedido alegremente na Europa e até nos Estados Unidos da América, o país de Haim Solomon e George Washington, os quais, estribados na força da comunidade sefardita portuguesa e espanhola, engrossada mais tarde por milhões de judeus do Leste e de outras proveniências, criaram a maior potência da Terra e até imprimiram na primeira nota de dólar um escudo de David e um candelabro de nove braços.
Donald Trump, caracterizado por Benjamin Netanyahu como “o melhor amigo de Israel e do povo judeu”, não difere muito de seus antecessores, embora tenha um perfil mais intenso e exagerado. Uma das chaves do sucesso da grande nação do outro lado do Atlântico foi sempre a gratidão para com os judeus. Israel reconhece esse facto, e usa o poder diplomático em seu favor, sem que tal o impeça de ter relações de cooperação com as outras potências do mundo, sejam quais forem os seus modelos políticos. A China, o gigante imperial do comércio, nutre relações com o estado judaico que em muito extravasam as dinâmicas em torno do porto de Haifa. Israelitas e chineses, com histórias de milénios, sabem que nunca existiu democracia na China, no conceito ocidental da palavra, antes uma ordem social rígida.
Vladimir Putin, o lobo mau da Europa, nunca foi visto dessa forma em Israel. Em épocas diferentes, Naftali Bennett e Ariel Sharon definiram o presidente da Federação da Rússia como “um verdadeiro amigo de Israel e do povo judeu” e ele próprio afirmou repetidas vezes que “Israel é parte do mundo cultural da Rússia, com 1,5 milhão de falantes de russo”. Na última visita que o líder do Kremlin fez a Jerusalém, acompanhado pelo chefe-rabino do seu país, Berel Lazar, do movimento Chabad Lubavitch, houve quem perguntasse se não constituía óbice para as autoridades russas que o “Dia Nacional da Educação” nos Estados Unidos da América fosse assinalado no aniversário da morte do Rebbe de Lubavitch, Menachem Mendel Schneerson, o mais alto dignitário daquele movimento.
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Com sede mundial em Nova Iorque, a Chabad é a organização judaica mais forte em termos religiosos. Por natureza ashkenazita, foi fundada por um judeu lituano de origem portuguesa, o rabino Shneur Zalman, descendente do rabino Baruch Portugali. O movimento tem mais de 5000 emissários espalhados pelo mundo, com famílias numerosas que casam essencialmente entre si, o que teve como resultado um corpo de dezenas de milhares de pessoas que na maioria dos casos descende do rabino Portugali. O trabalho soberbo que a Chabad tem realizado em latitudes tão diferentes como Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Rússia, Ucrânia e Cazaquistão (sem esquecer Portugal, com emissários em Cascais, Porto e Vilamoura) continua a ser ostensivamente ignorado, por aversão ao sucesso judaico à mistura com razões geopolíticas
Na crise dos reféns em Gaza, verificou-se que quase todos os cativos tinham dupla ou mesmo tripla nacionalidade, entre as quais a norte-americana, a russa e a portuguesa. Cidadãos de 50 países foram vítimas diretas do massacre 7 de outubro. O mundo judaico é o mundo todo. É assim há mais de dois milénios. Todos os anos, milhares de judeus israelitas e norte-americanos juntam-se à comunidade judaica da Moscovo, sustentada em boa medida por multimilionários judeus com nacionalidade russa, israelita e norte-americana, o que tem contribuído para que nada falte à vida judaica local. Não raramente, os turistas judeus ficam atónitos ao visitarem certas áreas da capital do gigante euro-asiático, pois deparam-se com massas de judeus originários de Nova Iorque ou Jerusalém e com um enorme conjunto de instituições judaicas de nível elevadíssimo. O mesmo acontece, embora em escala menor, na Ucrânia e no Cazaquistão, onde a vida judaica também prospera graças à generosidade de prósperos judeus........
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