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O Ensino Superior nesta era das máquinas pensantes

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25.03.2025

A entrada das inteligências artificiais autónomas no seio do ensino superior coloca-nos perante um dilema que, à semelhança dos antigos mitos gregos, mistura a inquietude da mecanicidade com a luz do pensamento crítico. Se Talos, o autómato de bronze, representa a frieza e a precisão de uma tecnologia que opera sem alma, Sócrates simboliza a interrogação incessante e o dinamismo da mente humana. Este texto procura explorar as implicações da integração de sistemas inteligentes, nomeadamente o Manus AI, lançado na passada quinta (13-03-2025), pela startup chinesa Butterfly Effect, no panorama académico, questionando se a essência da aprendizagem pode sobreviver num mundo onde máquinas pensantes assumem papéis antes exclusivos dos humanos.

A tecnologia do Manus AI, concebida para agir como um agente geral autónomo, transcende a função de mero auxiliar digital. Este sistema não se limita a gerar ideias ou oferecer suporte pontual; ele é capaz de executar tarefas do início ao fim, processando informação, aprendendo com experiências, escrevendo código, aceder a APIs e até implementar websites. Assim, propõe uma nova dinâmica de trabalho, na qual a linha entre o executor humano e o assistente artificial torna-se cada vez mais ténue. No contexto universitário, este tipo de tecnologia suscita questões que vão para além da mera eficiência operacional, atingindo a própria natureza da formação e do conhecimento.

A essência do pensamento humano, representada por figuras como Sócrates, baseia-se na capacidade de questionar, de refletir criticamente sobre o mundo e de transformar o conhecimento em sabedoria. Sócrates, que percorria as ruas de Atenas a indagar e a dialogar, encarnava a ideia de que o saber nasce da constante interrogação e do confronto com a incerteza. Por outro lado, Talos, concebido como um protótipo de perfeição mecânica, simboliza a tentativa humana de reproduzir a ordem e a exatidão dos deuses através da tecnologia. Se por um lado o Manus AI remete à figura de Talos (uma entidade que opera com rigor algorítmico, sem hesitação ou dúvida), por outro lado, a sua introdução no ensino superior confronta-nos com uma realidade onde o ensino, historicamente orientado pelo debate e pela interrogação, pode vir a ser reformulado por sistemas que, embora eficientes, carecem da essência da experiência humana.

A primeira interrogação que se impõe é a da consciência. Pode um sistema que opera em bases lógicas e matemáticas desenvolver uma forma de compreensão que se aproxime da sabedoria humana? O argumento do “Quarto Chinês”, proposto por John Searle, sustenta que a mera manipulação de símbolos não confere compreensão real. Assim, ainda que o Manus AI seja capaz de simular interações humanas de forma surpreendentemente convincente, resta a dúvida sobre a existência de uma experiência interna, um “eu” que realmente entenda os significados que manipula. Nesta perspetiva, a aprendizagem orientada por uma máquina pode vir a ser extremamente eficaz na transmissão de dados, mas questiona-se se ela conseguirá nutrir o espírito crítico e a capacidade de reflexão que caracterizam o verdadeiro conhecimento.

A integração de uma inteligência autónoma no ensino superior suscita, além disso, dilemas........

© Observador