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Para que serve o passado?

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02.06.2025

Cresci escutando que a psicanálise daria ao passado uma importância exagerada. Como se se detivesse sobretudo sobre a infância e naquilo que, nela, poderia ter corrido mal. E com isso se perdesse por entre os “traumatismos” do crescimento e esquecesse (ou desvalorizasse) o aqui e o agora. E se enredasse sobre aquilo que nos faltou em vez de olhar, também, para o que somos capazes ou para o que temos. E nos conduzisse mais para um colorido depressivo, de vítimas, passivo e pouco pró-activo, do que para atitudes com garra, com paixão ou com expectativas afoitas e ambiciosas sobre a vida e o futuro.

A oposição a esta interpretação sobre a psicanálise foi chegando doutros modelos em psicologia. Que se propunham ter abordagens mais pragmáticas, mais “eficazes”, mais racionais, mais rápidas, mais viradas para a mudança de comportamentos e, sobretudo, menos enoveladas no passado. É claro que da deriva destes modelos foi resultando um fast-food de soluções minimalistas a que, de forma escorregadia, se foi chamando saúde mental. Todas elas assentes em programas de aconselhamento, em “soluções” de autoajuda, em perspectivas normativas e em conteúdos motivacionais que, enquanto reclamavam o autoconhecimento, incentivavam o autocontrole, assente em “soluções” descartáveis que, em vez de promoverem a saúde mental, também contribuíam para adensar os distúrbios mentais e as perturbações de personalidade (que são, afinal, a doença mental do século XXI). Perante isto tudo, é claro, o passado transformou-se num intruso.

Acresce que a forma como o mundo ocidental, na segunda metade do século XX, foi vivendo o passado, levou a que a ausência de guerras, o desafogo da economia ou a tecnologia vibrante de que passámos a dispor fosse fazendo com que a história capitulasse diante d’“o momento”. E, devagarinho, o passado se fosse transformando num assunto “fora de moda”. Um bocadinho obsoleto. Pouco prático, até. Como se tudo o que o evocasse — como o envelhecimento, por exemplo — se tivesse tornado incompatível com um ideal de........

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