Suspensão involuntária da crença
A recente sondagem do ICS/ISCTE para a SIC/Expresso — à qual 85% dos contactados recusou responder, o que já por si é sugestivo — traz à tona um valor recorde: 39% de indecisos quanto ao sentido de voto nas próximas legislativas. É um dado, aparentemente, indicativo de uma realidade que no artigo anterior designei por “desfasamento simbólico significativo” entre agentes políticos e cidadãos. O registo de tamanha proporção de inquiridos numa situação de indecisão é, assim, o mote para uma alusão aos modos de relação dos cidadãos com a política.
O termo “suspensão voluntária da descrença” (“willing suspension of disbelief”), cunhado em 1817 por Samuel Taylor Coleridge, remete para a aceitação dos leitores ou espetadores de premissas irrealistas em produtos de ficção (por exemplo, acreditar em poderes de super-heróis enquanto se visiona filmes da Marvel ou da DC). Concedo-me a ousadia de virar o conceito ao contrário, dando corpo à noção de “suspensão involuntária da crença”. Como a concebo, esta consiste na situação do indivíduo que — encontrando-se baralhado perante um cenário inusitado e desconcertante ou sentindo-se encurralado num labirinto de explicações opostas e de honestidade pouco clara — não tem hipótese senão pura e simplesmente deixar de acreditar em coisa alguma, por muito........
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