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A partição da Ucrânia

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26.05.2025

IA 30 de abril de 2025 a Ucrânia e os Estados Unidos da América assinaram um acordo concedendo aos norte-americanos acesso a vastos recursos de minerais de terras raras ucranianas. Este acordo foi obtido sob pressão de Donald Trump, no contexto da exigência a Kiev de compensações financeiras pela ajuda militar. A criação de um fundo de investimento conjunto para a reconstrução da Ucrânia, que permite aos EUA investir no setor de minerais críticos desse país, sinaliza que os recursos naturais ucranianos passaram a ser, na prática, compartilhados com uma potência estrangeira.

Este acordo completa a divisão da Ucrânia em dimensões distintas de preponderância: enquanto Moscovo consolida, no campo de batalha, a partição militar do território ucraniano com a anexação da Crimeia e a ocupação de cerca de 18% do país a leste, Washington assegurou para si uma parcela significativa da riqueza mineral ucraniana.

Por outras palavras, se a Rússia reclama partes do solo ucraniano pela força, os EUA passaram a deter uma participação relevante no subsolo do país.

Este cenário dramático – um país literalmente fraturado entre uma ocupação militar e uma incursão económica – não surgiu por acaso. É o resultado de anos de ilusões sobre o cenário internacional e de escolhas estratégicas erradas. A Ucrânia, ao longo da última década, ignorou a dura realidade geopolítica em que se encontra inserida. Seduzida por promessas de apoio ocidental e aspirando integrar-se ao bloco da OTAN e da União Europeia, o Estado ucraniano descurou a sua condição singular: um país de importância crucial, encravado entre o Oriente e o Ocidente, com profundos laços históricos e culturais com a Rússia, e geograficamente vizinho à maior potência militar da Eurásia. A falta de uma visão geopolítica estratégica clara – que levasse em conta as limitações impostas por essa realidade – acabou por deixar a Ucrânia vulnerável a pressões de ambos os lados.

O resultado, como vemos hoje, é uma Ucrânia repartida em duas dimensões: militarmente, pelo intervencionismo russo, e economicamente, pela dependência em relação aos aliados ocidentais, em especial os EUA.

II Chegámos a esta situação porque os líderes ucranianos não demonstraram uma consciência geopolítica adequada. A geopolítica pode definir-se resumidamente como o estudo da influência dos fatores geográficos nas decisões políticas dos Estados, considerando como essas decisões afetam interesses e sensibilidades regionais e internacionais, na busca pela proteção ou expansão do seu poder no cenário global. Desde o final do século XIX, têm-se desenvolvido diversas teorias sobre o papel estratégico da geografia nas relações internacionais, destacando-se entre os principais mentores históricos da disciplina Alfred Thayer Mahan e Halford J. Mackinder, cujas ideias ainda ecoam nos círculos contemporâneos.

Alfred Mahan (1840-1914), almirante e historiador naval norte-americano, foi um dos pioneiros da geopolítica clássica. Em 1890, Mahan publicou “The Influence of Sea Power upon History”, obra em que argumentou que o domínio dos mares era essencial para a prosperidade e segurança de qualquer potência. Identificou os três pilares fundamentais do poder marítimo: uma forte marinha de guerra; o controle de pontos estratégicos de navegação (chokepoints); e uma robusta marinha mercante protegida pela primeira. Mahan defendia que a supremacia naval – e o acesso seguro às rotas comerciais marítimas globais – iria definir quais as nações que teriam condições para se tornar hegemónicas no mundo. Esta visão influenciou profundamente a estratégia dos Estados Unidos, que no século XX e na atualidade buscam projetar poder através do controle dos oceanos e do comércio internacional.

Poucos anos depois de Mahan, surgiu outro teórico fundamental: o geógrafo britânico Halford Mackinder. Em 1904, Mackinder formulou a famosa Teoria do Heartland. Ele argumentou que, com o progresso dos transportes terrestres (ferrovias, motores de combustão etc.), o controle do interior continental da Eurásia – a que chamou de Heartland ou “Terra Central” – passaria a ser mais decisivo que o domínio dos mares. Mackinder sintetizou a sua tese numa frase célebre: “Quem controla a Europa Oriental, domina a Terra Central; quem controla a Terra Central, domina a Ilha Mundial; e quem controla a Ilha Mundial, domina o Mundo”. Nessa visão, a Eurásia (a “Ilha Mundial”) seria o pivot do poder global, e as potências terrestres que ali prevalecessem poderiam desafiar as potências marítimas. A teoria de Mackinder realçou a importância estratégica da Europa Oriental – precisamente a faixa de território onde se localiza a Ucrânia – no jogo de poder mundial.

Estes teorizadores clássicos ilustram duas abordagens geopolíticas distintas, mas de alguma forma complementares. Mahan, com ênfase no poder naval e comercial, antevia uma visão hegemónica baseada na primazia marítima e económica global, que a superpotência norte-americana colocou em prática ao longo do século XX. Mackinder, por sua vez, alertava para a lógica das esferas de influência territoriais: grandes potências tentando controlar o “seu” quinhão de território continental, através de esferas de influência, para garantirem segurança e recursos. Os Estados Unidos e a Rússia (como Estado sucessor da URSS), apesar das suas diferenças ideológicas e históricas, podem ser vistos como herdeiros modernos dessas duas grandes tradições geopolíticas – poder marítimo vs. poder continental – que........

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