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Os efeitos secundários da cura

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21.03.2025

Foi há cinco anos e só a turbulência dos dias que vivemos não deixou pensar nisso como talvez devêssemos. A corrida aos supermercados, as despensas abastecidas para tempos indefinidos, o trabalho inteiro a migrar para um canto de casa, em chinelos e reuniões zoom, as portas fechadas, as cidades desertas, vagos vultos a caminharem pela rua a muitos metros de distância olhando-se com desconfiança, o vento a arrastar pela estrada duas ou três máscaras cirúrgicas usadas para dar a tudo um ar de apocalipse ainda mais zombie. As conferências de imprensa diárias na televisão e a entrada em circulação de novas expressões como “uma falsa sensação de segurança”. A escalada dos números de casos, internamentos e mortes, a busca nos confins da internet por notícias que explicassem a origem do vírus, por que parecia afectar uns e não outros, as possíveis soluções milagrosas e os relatos segundo os quais as autoridades sabe-se lá de onde andariam a esconder sabe-se lá o quê acerca dos efeitos secundários da doença e da cura.

Depois, o tempo foi passando. As renovações dos estados de emergência suspendendo a Constituição como se fossem mero pro forma, os confinamentos e desconfinamentos sem coerência já visível, os recolheres obrigatórios de que só ouvíamos falar nos países em guerra, válidos à sexta, mas não sábado, como a máscara que se podia tirar para comer, mas não para falar, as leis específicas para as vendas ao postigo, a proibição de sentar num temível banco de jardim, a vacina que nunca mais vinha, as filas de ambulâncias à porta dos hospitais, o silêncio já insuportável das cidades só cortado pelo som das sirenes e das motas dos estafetas de tudo e mais um par de botas, as teorias cada vez mais mirabolantes sobre tudo, os centímetros a mais ou a........

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