O almirante e as baratas
Há décadas, largas décadas, que as democracias deixaram de eleger militares para a presidência. Os motivos incluem o cuidado em separar o poder militar do civil, ou o receio do autoritarismo, ou o lugar minúsculo dos conflitos armados nas cabeças ocidentais, ou a hipótese enriquecedora que quiserem adicionar.
O facto é que sem guerras, ou sem guerras que influenciem a sério a vida “comum”, não há heróis de guerra para premiar e pendurar na chefia dos estados. Na América, houve o remoto Eisenhower, com a derrota nazi fresquinha no bolso, como no século XIX houvera Ulysses S. Grant e meia dúzia de figuras comparativamente menores da Guerra Civil. Na Europa, De Gaulle, que morreu em 1970. E, Deus me fulmine se desprezar a pátria amada, Ramalho Eanes, não tanto pela presença nos três cenários de conflito ultramarinos, mas sobretudo pela batalha contra o comunismo que culminou no 25 de Novembro de 1975. Salvo ocasional esquecimento, o inventário fica por aqui: o velho hábito, esporádico e intermitente, de pôr militares na liderança de regimes liberais morreu há que tempos.
A notícia é que Portugal se prepara para ressuscitá-lo. Meio século após o último presidente fardado de uma nação do “mundo livre”, há altas possibilidades de que o almirante Gouveia e Melo chegue ao topo da República. É sem dúvida uma excentricidade, que aumenta ao percebermos que o almirante........
© Observador
