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Passado e Futuro da Democracia

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31.05.2025

De acordo com o Índice de Democracia 2024, publicado pela Economist Intelligence Unit (EIU), existem hoje 71 democracias no mundo (representando aproximadamente 45% da população mundial). Mas o que é exactamente uma democracia? Será sequer possível defini-la, para lá das métricas e indicadores empíricos? Não há, nem nunca houve, a este respeito um consenso. Desde as suas origens na Grécia Antiga à sua reinterpretação nas revoluções modernas, a democracia sempre constituiu um objecto polémico. Longe de ter um conteúdo claro e preciso, ela define-se por uma contínua interrogação acerca do seu sentido e finalidade como regime político. E este traço acentua-se em momentos de crise, como o nosso, onde se adensam os problemas e tensões da existência colectiva. Talvez por isso valha a pena reflectir sobre a história do conceito de democracia, procurando reconstruir as diversas etapas do seu desenvolvimento e o modo como evoluiu até atingir a forma que actualmente lhe conhecemos. Através dessa genealogia, poderemos eventualmente perceber que a democracia não é um dado de facto, mas um processo aberto, em permanente construção.

O sistema democrático surgiu pela primeira vez na Grécia, por volta de 500 a.C. A Grécia Clássica não era um país no sentido moderno, mas um mosaico de várias centenas de cidades independentes. A mais famosa destas, Atenas, adoptou em 507 a.C. um regime de governo popular que durou quase duzentos anos, até à sua conquista pelos exércitos macedónios. Foram provavelmente os atenienses que cunharam o termo “democracia” ou demokratia, por aglutinação de demos (povo) com kratos (governo). É curioso notar, a propósito, que a palavra “demos” tanto se podia referir à totalidade do povo como aos pobres, tendo sido usada no segundo sentido, depreciativamente, pela facção oligárquica, que assim demonstrava o seu desdém pela classe que lhes retirara o controlo da cidade.

O governo ateniense tinha uma estrutura complexa. No seu centro encontrava-se uma Assembleia (ekklesia) aberta a todos os cidadãos. Competia à Assembleia deliberar sobre quase tudo, desde os assuntos de guerra e paz, até às finanças públicas ou à concessão de cidadania. Competia-lhe ainda eleger determinados cargos públicos, como o de estratego ou de arconte. No entanto, a maioria dos cargos administrativos e judiciais — como os membros do Conselho dos Quinhentos, ou os juízes dos tribunais populares — eram escolhidos por sorteio, em nome da isonomia (igualdade dos cidadãos). Vigorava, pois, o princípio democrático de que qualquer cidadão livre e maior de 30 anos (excluindo as mulheres, os escravos, os estrangeiros e os metecos) podia exercer funções públicas. Nessa categoria entravam cerca de 30.000 a 40.000 pessoas, embora apenas 5.000 a 6.000 comparecessem nas sessões mais concorridas. Como compensação pela sua comparência na assembleia, cada cidadão recebia um pequeno pagamento. Esta era uma forma de garantir que todos (até os mais pobres) pudessem participar no mesmo pé de igualdade. De resto, vale a pena desmontar a ideia de que os cidadãos atenienses formavam uma classe ociosa, e de que, sem escravatura, a democracia ateniense não teria sido possível. Na verdade, a maioria dos cidadãos vivia do trabalho — sobretudo agrícola — e só podia dedicar parte do seu tempo à vida política. Além disso, dificilmente se estabelecerá uma relação necessária entre a escravatura e a democracia. Basta pensar que existiam, naquele tempo, inúmeras sociedades esclavagistas — como Esparta, ou a Pérsia — onde vigoravam outras formas de regime, não-democráticas. Do mesmo modo, também se não pode dizer que a democracia dependesse do império comercial de Atenas, embora esse domínio assegurasse à cidade um afluxo constante de recursos e, por conseguinte, um elevado nível de vida.

Em princípio, a Assembleia devia reunir-se quatro vezes por mês, havendo também sessões extraordinárias em momentos de crise ou de necessidade urgente. Relativamente ao seu funcionamento, cada sessão iniciava com uma ordem de trabalhos, após o que qualquer cidadão podia pedir a palavra e falar livremente. No final, as decisões eram submetidas a votação por levantamento de mãos ou, em casos especiais, por voto secreto. A par da ekklesia, existia ainda um Conselho de quinhentos cidadãos — 50 de cada uma das 10 tribos atenienses criadas por Clístenes. Cabia ao Conselho redigir as propostas de lei, supervisionar os magistrados ou tratar de questões quotidianas da cidade (como o abastecimento de cereais, obras públicas, festivais, etc.). Esse órgão dividia-se em secções, chamadas pritanias, que se revezavam mensalmente na direção dos trabalhos. Dentro de cada pritania, um presidente diário (epistates) era sorteado e detinha por 24 horas as chaves do tesouro, dos arquivos e o selo do Estado — o que significa que a cada dia um novo cidadão era o “chefe de Estado”!

Tal como o poder legislativo e executivo, também a justiça era administrada directamente pelo demos, através de tribunais populares ou........

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