Deitar com a Direita e acordar com a esquerda
As aristocracias contemporâneas – compostas por governantes, tecnocratas, jornalistas, intelectuais – replicam o olhar condescendente dos Salinas no clássico de Tomasi di Lampedusa, O Leopardo. Olham com indisfarçável desdém para os Sedaras do nosso tempo: líderes populistas que recusam o protocolo, que dizem o que o povo pensa, que ousam existir sem pedir licença, que se atrevem a representar os excluídos da representação. As forças crepusculares, confortavelmente instaladas na sua varanda ao pôr-do-sol, chamam-lhes ruidosos, perigosos, incultos, extremistas. Mas a sua existência não é acidente: é necessidade. A sua ascensão não é patologia: é diagnóstico. O crescimento de partidos como o Chega não é uma aberração. É a consequência direta e inevitável de décadas de simulacro político, em que a direita finge ser de direita e a esquerda finge ser indispensável.
A figura de Dom Calogero Sedara simboliza algo de muito profundo e recorrente na história política moderna: a ascensão dos excluídos, dos esquecidos, dos “humilhados e ofendidos” – dos que não falam a língua envernizada das elites, mas o dialeto do povo. Ruminada nos bastidores do mundo elegante, a sua vitória não é apenas um episódio literário de província: é um momento de transição histórica. Porque o povo não se faz ouvir quando o seu silêncio se torna resmungo. Nem sequer quando o seu resmungo se torna grito. O povo faz-se ouvir quando o seu grito se reconhece, toma consciência de si mesmo. O povo faz-se ouvir quando o seu grito, atingindo o seu ponto de inflexão na descoberta de um sentido, se torna voz.
O seu triunfo marca a ruína da aristocracia enquanto classe dirigente e o início de uma nova ordem onde o exercício do poder já não depende da hereditariedade, mas da habilidade de conquistar espaço onde antes só havia exclusão. Sedara já não se limita a recolher, à devida e deferente distância, as migalhas benevolentes que caem da mesa dos Salinas: toma assento na mesa e reclama para si o prato principal.
Sedara é, portanto, um símbolo literário de uma verdade inescapável: os movimentos populares, quando chegam ao poder, raramente o fazem com heroísmo romântico ou paciência estoica. Chegam com pressa, com........
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