O Céu Pode Esperar
Morremos várias vezes antes de morrer. A primeira é quando deixamos de surgir no Google. A segunda, quando a nossa última mensagem diz “vista pela última vez”. A terceira, talvez a mais cruel, é quando a nossa voz, recriada por inteligência artificial, diz coisas que nunca diríamos, mas que soam melhores do que nós próprios. E há ainda uma quarta, silenciosa e devastadora, quando nos tornamos irreconhecíveis até para quem fomos.
Em 1978, Warren Beatty fez um filme que colocava uma pergunta simples: o que permanece quando tudo muda? “O Céu Pode Esperar” contava a história de Joe Pendleton, um jogador de futebol americano que morre prematuramente por causa de um erro burocrático celestial. É-lhe dada então uma segunda oportunidade, mas tem de habitar o corpo de um milionário corrupto. A questão central não é se ele consegue adaptar-se à nova vida, mas se consegue manter a sua identidade moral, a sua bondade, justiça e lealdade, num corpo e numa realidade completamente diferentes da sua. Joe conserva a sua alma, justa, bondosa e profundamente teimosa que sempre teve. O corpo era emprestado, o carácter, não.
Nós, fizemos precisamente o contrário, guardámos o corpo e alugámos a alma a cada aplicação que abrimos diariamente.
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