Por um prato de lentilhas…
Terminado mais um projecto de escrita, ao entrar em processo de descompressão, pus-me a ouvir Ildo Lobo, começando pela belíssima morna Camponesa Formosa sobre poema do Eugénio Tavares. Mas o apagão sináptico pretendido foi difícil de alcançar e a inércia cognitiva arrastou-me novamente para reflexões do passado. Estamos a chegar ao 28 de Maio; não me refiro àquele 28 de Maio em que o fartote popular generalizado sobre o regime supremacista, jacobino e corrupto da facção «democrática» do Partido Republicano, levou à sua rejeição na ponta das baionetas em 1926. Sobre esse e o equívoco político que continua a arrastar consigo já muito escrevi. Não, do que me lembrei agora foi de outro 28 de Maio; não o de 1926 mas 49 anos depois, em 1975, quando centenas de militantes do MRPP foram detidos em todo o país pelas forças do COPCON e engavetadas, como então se dizia, em Caxias. Olhando retrospetivamente para a coisa, se calhar nem a data foi por acaso.
Com efeito, a 28 de Maio de 1975, ocorreria a detenção de mais de quatro centenas de activistas do maior movimento maoísta em Portugal, o MRPP. Acusado abertamente pelo PCP, então a força comunista dominante, de fazer o jogo da CIA, a operação Turbilhão, levada a cabo pelas forças militares do regime e instigada publicamente pelo coronel comunista pró-soviético João Varela Gomes, atingiu inúmeros locais e moradas associadas àquele partido maoísta. As detenções em massa centraram-se na principal facção daquele que era o mais numeroso e folclórico movimento maoista em Portugal, o MRPP, e ocorreram após o que parece ter sido uma armadilha preparada pelos serviços de informação do governo revolucionário de então, afecto aos comunistas pró-soviéticos. Várias pessoas, entre as quais o oficial comando Marcelino da Mata, o fuzileiro Jaime Coelho da Silva e a sua mulher, Natércia, o alferes José António Veloso e o seu pai, juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, bem como o veterano Fernando Figueiredo Rosa, deficiente de guerra e mais cerca de uma dúzia de pessoas foram individualmente raptadas por alegados militantes do MRPP conforme denuncia o Relatório oficial da Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos sujeitos às autoridades militares, vulgarmente conhecido como Relatório das Sevícias. Estes indivíduos aparentemente não tinham qualquer ligação entre eles, excepto o facto de serem vistos como estando do lado errado da cerca ideológica. É provável que o SDCI, a polícia política de então sob o controlo do PCP, por sugestão dos seus conselheiros da Alemanha de Leste, tenha orquestrado uma armadilha bem-sucedida, incitando, sem grande esforço, alguns excitados activistas do MRPP a raptar direitistas incautos e a mantê-los em cativeiro sob tortura e maus-tratos.
Talvez o principal alvo destes radicais fosse Marcelino da Mata, um oficial negro altamente condecorado do Exército Português. Para eles, ele representava seguramente a figura desconfortável e indesejável dos africanos que tinham escolhido lutar contra a sua internacionalista visão bacoca do mundo. Tal como os outros envolvidos no caso, também Marcelino foi sujeito a torturas brutais que o deixariam marcado para sempre. José Jaime Coelho da Silva tinha feito parte do destacamento de fuzileiros que libertara os 85 presos e detidos políticos que se encontravam em Caxias a 26 de Abril de 1974. Quase um ano depois, a 15 de Maio de 1975, ele e a sua mulher, Natércia, foram raptados separadamente por grupelhos do MRPP. Foram espancados e severamente torturados, e Natércia abusada perante o marido. No dia 18 de Maio de 1975, pelas 2 horas da manhã, José António Veloso e o seu pai, o juiz........
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