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A burca e o rosto

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22.10.2025

O debate sobre a proibição de tapar o rosto, especialmente por motivos religiosos, tem suscitado inúmeras questões e os respetivos equívocos. A questão não é apenas legal, nem religiosa ou política: é muito mais profunda no plano humano. O significado do rosto, mostrar ou ocultar, pertence ao domínio da própria construção e destruição da humanidade.

Emmanuel Levinas foi um dos grandes filósofos do século XX, e o tema do rosto ocupa um lugar central na sua obra. É sobre este conceito que deveria assentar o debate. O rosto é a possibilidade de ser na relação com o outro e do outro comigo, constituindo também o fundamento da ética. Sem rosto, a humanidade é danificada, daí a destruição do deste em certos crimes psicopáticos e a sua deformação nas torturas dos sistemas totalitários. O rosto não é uma simples aparência física, mas a epifania do outro. É principalmente através do rosto que se dá a presença que me interpela e me diz: “não matarás”.

No rosto, o outro revela-se como infinito, isto é, como alguém que não posso dominar, reduzir nem compreender totalmente. A sua exposição, na sua fragilidade e vulnerabilidade, desperta em mim a responsabilidade e rompe a lógica da indiferença ou do poder. Assim, este é o lugar onde nasce a relação ética: é nele que o eu descobre o dever de responder ao outro antes mesmo de afirmar a sua liberdade. Ocultá-lo é, portanto, negar o próprio espaço da humanidade e da transcendência que ele encarna. Tapá-lo é, em última análise, negar a humanidade.

Também Hannah Arendt nos recorda que este é o símbolo da presença pública do indivíduo, o modo como cada pessoa se dá a ver e se torna reconhecível entre os outros. No espaço público, o verdadeiro lugar da liberdade segundo Arendt,........

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