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Era a casa mais bonita da aldeia…

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04.08.2025

1.Um homem esgotado e destroçado pela luta contra o ciclo de fogo, recusava olhar para a realidade brutal que lhe entrava por todos os sentidos e, falava para a jornalista de que era a casa mais bonita da aldeia, das flores, das árvores, dos recantos, do aconchego da casa nas horas de lazer e de convívio. A emoção tomou conta dele e de olhos baixos suspendeu as palavras para dar lugar a um silêncio de dor e de tristeza profunda. Um silêncio que ocupou a destruição e o vazio de uma vida. Lugares que foram engolidos pelo fogo. Casas que foram consumidas num abrir e fechar de olhos pelas chamas. As memórias de tantas vidas, agora ali, espalhadas por entre as cinzas pretas do fogo, lembrando que ali morou uma família, com as suas “relíquias” agora transformadas em cacos negros de sofrimento.

Todos aqueles recantos, moveis, fotografias, objectos domésticos transformados em pó, eram a materialização de uma memória que fazia a mediação entre o tempo vivido, o passado e o presente. Funcionavam como objectos-narrativas que evitavam o esquecimento e sublimavam a dor da partida, com a simbolização ritual de uma ausência vivida em memória corporizada nos objectos que de geração em geração, compunham o ecossistema doméstico -, as memórias de uma família.

Depois do incêndio ficou o vazio, a ausência sofrida, a recuperação da narrativa que recorre a um antes de, para saltar sobre os destroços do depois de. A procura do lugar que não existe fisicamente, mas que se pode rememorar através da imaginação que nos possibilita um habitar na ausência. Olhar para o chão consumido pelas chamas e desenhar com o dedo, ali um quarto, acolá a cozinha, a sala, com as palavras enroladas pela dor fica o silêncio de um olhar triste e resignado. A dor da ausência que nos coloca perante a representação da não-presença. A relação entre o passado-vivido e o passado-recordado que remete num instante para a suspensão do tempo-memória / do tempo-vivido. O relógio parara........

© Jornal SOL