O centenário e as lições do “julgamento do macaco”
No mês que passou, completou-se o centenário de um marco na história da relação entre ciência e religião no século 20: o “julgamento Scopes”, ou “julgamento do macaco”. Entre 10 e 21 de julho de 1925, a cidadezinha de Dayton, no Tennessee, foi o centro das atenções nacionais enquanto um professor de ensino médio, John Scopes, era julgado por ter ensinado em uma escola pública que o ser humano havia evoluído a partir de ancestrais comuns com outros primatas atuais, o que era proibido pelo Butler Act, uma lei estadual. Os debates, no entanto, extrapolaram a questão legal, que até era bastante simples – se Scopes havia ensinado a Teoria da Evolução, ou seja, se havia desrespeitado a lei –; o “julgamento do macaco” logo se transformou em um debate teológico sobre a compatibilidade entre a doutrina cristã e os postulados da evolução.
(Aqui, uma primeira curiosidade: o “julgamento Scopes” foi o que se chama nos Estados Unidos de test case: um processo forçado pelo desrespeito deliberado a uma lei, com o objetivo, por exemplo, de conseguir chamar a atenção para uma lei absurda, para que ela acabe declarada inconstitucional. Com ajuda da União Americana para as Liberdades Civis, Scopes aceitou se incriminar e até pediu aos alunos que testemunhassem contra ele em juízo. Além disso, muitos dos envolvidos viam no caso a chance de chamar a atenção para a cidade.)
Muitos dos argumentos que conhecemos hoje no debate sobre criação e evolução foram usados no julgamento – por exemplo, o de que a Bíblia não é livro de ciências, o de que os relatos bíblicos da criação e a Teoria da Evolução não eram excludentes, ou o de que entender como metafóricos esses relatos minaria a autoridade das Escrituras. Alguns dos xingamentos que esse debate provoca até hoje também foram ouvidos em Dayton ou depois, principalmente graças à pena sarcástica de H.L. Mencken, que cobriu o julgamento para um jornal de Baltimore. Até o juiz que cuidava do caso, embora se esforçasse para manter o julgamento limitado à questão da violação do Butler Act, citou o livro do Gênesis, e pareceu mais simpático à acusação, liderada pelo ex-secretário de Estado William Jennings Bryan, que à defesa, chefiada pelo célebre advogado criminal Clarence Darrow. Nos interrogatórios, perguntas sobre Adão e Eva e de onde veio a esposa de Caim mostram o quanto a discussão se desviou do problema original.
À época do “julgamento do macaco”, evolução e eugenia andavam tão ligadas que não se pode culpar os........
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