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Como as mídias sociais incentivam a hostilidade em relação ao papa (qualquer papa)

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Pergunte a qualquer influenciador digital ou administrador de perfil nas mídias sociais qual é o seu pão de cada dia, e ele responderá “engajamento”. Se as pessoas não leem, não reagem, não comentam, não compartilham, aquele conteúdo falhou em sua missão. E ninguém precisa ser doutor em Psicologia: basta acompanhar o Instagram, o YouTube, o X ou o Facebook para saber que a melhor forma de criar engajamento é, como diria Roberto Jefferson, provocar os “instintos mais primitivos” das pessoas. Como se faz isso nas mídias sociais? Simples: despertando raiva e indignação. Mesmo que, para isso, seja preciso botar o próprio papa na berlinda. E as estratégias para isso variam bastante.

“Tiraram minhas palavras de contexto” é a desculpa padrão de muita gente que diz besteira e não quer assumir as consequências, mas isso não quer dizer que não exista quem realmente tire as coisas do contexto para deixar mal o papa, o Vaticano ou alguma outra autoridade eclesiástica. A publicação que me fez escrever essa coluna estava em uma página de Facebook que tem 115 mil seguidores e diz “trazer as notícias de uma perspectiva católica”. A publicação dizia apenas “o bispo Martin restringiu a Missa Tridentina e pediu que não se usem mais os altar rails (aquelas grades baixas que separam a nave do presbitério e são usadas pelas pessoas que comungam de joelhos). Ele acabou de se encontrar com o papa Leão!”. No caso, trata-se do bispo Michael Martin, de Charlotte (EUA), que tem se dedicado com afinco a perseguir a missa tridentina em sua diocese.

Mas aí você olha a foto, e qualquer um familiarizado com o cotidiano do Vaticano percebe que ela foi tirada ao fim da audiência geral das quartas-feiras. Quando termina a audiência, começa o chamado baciamano: algumas pessoas têm a chance de saudar o papa, dizer-lhe algumas palavras breves, mostrar-lhe algo ou levar-lhe algum presente (quando eu fui abençoado com essa oportunidade, levei uma foto da minha família e o meu livro de entrevistas sobre ciência e fé). O baciamano sempre é aberto pelos cardeais e bispos que estejam em Roma naquele dia e que peçam para estar lá. Você pode conferir olhando as fotos oficiais do Vaticano (Martin é o que vem depois do bispo de óculos escuros que está com o solidéu na mão).

Sites e influenciadores católicos buscam engajamento explorando a indignação dos leitores, mesmo que, para isso, seja preciso botar o próprio papa na berlinda

Como funciona o engajamento pela indignação? Você não apresenta contexto nenhum, diz que o papa se encontrou com uma figura odiada pela página e pelos seus seguidores, e pronto, está feito o estrago e é só esperar os comentários do tipo “que triste, Leão é Francisco........

© Gazeta do Povo