menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

A serpente do golpismo nos quartéis (III)

4 0
29.09.2025

Do a terra é redonda

Por MARCO MONDAINI & CAPITÃO QUITAÚNA*

“O problema disso tudo é que a gente não tá mais em 1964, com o apoio do mundo todo, se o exército toma o poder o que vem depois? Fazer o que a esquerda tá fazendo e calar a oposição, fazer outra eleição, sofrer sanção de Deus e o mundo e torcer pros Estados Unidos estender a mão, o mundo infelizmente não é mais o mesmo que o da velha guarda” (1º Tenente Bragança, 13/09/2025).

As páginas a seguir expressam a experiência de cinco anos de formação militar, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), de um dos autores do presente artigo. O objetivo deste relato é tentar contribuir para o desvelamento da profunda e persistente influência da extrema direita e do golpismo nas Forças Armadas Brasileiras, expondo como a instituição se moldou para ser um pilar de sustentação de interesses antipopulares e antidemocráticos.

O período abordado (2016-2020) é crucial, pois engloba eventos políticos significativos como o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff e a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência da república, acontecimentos que exacerbaram tendências já presentes na caserna, evidenciando a relação intrínseca entre conjuntura de crise político-econômica e doutrinação ideológica de extrema-direita, no Brasil.

2016 – O início da formação e a crise política como ferramenta de doutrinação

O ano de 2016 marcou o início de uma jornada na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Desde os primeiros momentos, foi evidente que a entrada na instituição não se dava apenas por mérito acadêmico, mas também por um filtro social e ideológico sutil. O concurso de admissão favorece filhos de militares e de camadas sociais mais abastadas, criando uma barreira de entrada para aqueles de origem popular. Este mecanismo seletivo já prepara o terreno para a doutrinação.

A “lavagem cerebral” na Escola Preparatória de Cadetes do Exército começa nas primeiras semanas do curso, por intermédio de um sistema que mistura rigor militar com um conteúdo acadêmico e ideológico tendencioso. As matérias de humanidades, como história e sociologia, são ensinadas por professores militares da reserva, prestadores de tarefa por tempo certo (PTTC), muitos com experiência na ditadura militar de 1964, que revisitam a história de forma seletiva, glorificando figuras autoritárias e minimizando os horrores da repressão.

A Guerra Fria é retratada como uma luta entre o “bem” (o capitalismo e o Ocidente) e o “mal” (o socialismo e o comunismo), com o Brasil posicionado como um bastião de liberdade contra a “ameaça vermelha”. Os movimentos sociais são criminalizados, e o termo “guerrilheiro” é tratado como sinônimo de “comunista” e “terrorista”. Essa doutrina, baseada na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) forjada nos EUA, legitima a repressão a qualquer forma de organização popular que ameace o status quo capitalista.

Este processo de doutrinação ideológica não se limita às salas de aula. Ele é institucionalizado através das canções de treinamento físico militar (TFM). Canções como “Fibra de herói”, “Aço de guerreiro” e outras, entoadas diariamente, possuem letras que incitam à violência contra indígenas (“Índio quer guerra”), quilombolas e pessoas periféricas, identificadas como “comunistas” e “guerrilheiros”.

A violência, nessas canções, não é um meio de defesa nacional, mas um fim em si mesmo, uma exaltação da destruição do “inimigo interno”, daquele que luta por justiça social e igualdade. Essa doutrinação tem como objetivo solidificar uma mentalidade de extrema direita nos alunos, preparando-os para serem oficiais dispostos a “guerrear contra o povo e os povos, pela elite”.

A glorificação dos “caveiras” militares e forças especiais desde 1957, que criaram as SIESPs (Seções de Instrução Especial), visa preparar os cadetes para uma “guerra contra o povo pobre e contra o socialismo e comunismo”, como pode ser abaixo observado:

“Fui chamado pra guerrear Mas, na hora H, quem diria?

O meu fuzil resolveu falhar Com a faca entre os dentes, a ordem era matar A pele do inimigo eu pus no mastro da bandeira Por isso eu sou chamado de faca na caveira”

“Fui subir o morro e levei um tiro Parei no hospital, mas quem morreu foi o bandido Dentro do meu leito, sofri uma emboscada Tinham dois traficantes com a Uzi engatilhada

No meio do tiroteio, o caveira assim surgiu Matou os dois bandidos com três tiros e sumiu Estou agradecido, pois ele me salvou Agora eu sou comandos, serei o seu sucessor”

“Eu sou, eu sou A morte! A morte! Que ressurgiu do mar Eu vejo o inimigo E ele nem vai me notar

Eu miro na cabeça Atiro sem errar Se munição eu não tiver Pancadaria vai rolar

Bate na cara, espanca até matar Arranca a cabeça e joga ela no mar E o interrogatório é muito fácil de fazer Eu pego o inimigo e dou porrada até morrer”.

O ápice desse tipo de doutrinação ocorreu em meados de junho de........

© Brasil 247