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O que há num nome?

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14.07.2025

Fiquei a pensar nessa coisa dos nomes. Andei a mastigar o assunto nos últimos dias, e talvez pela acidez do tema, plantou-se um desconforto, uma afta no pensamento. A perturbação que certos episódios nos provocam é, por vezes, como essa fissura que aparece na língua: fica por ali a importunar quando querermos digerir as coisas ou saborear uma conversa. Um golpe… a incomodar.

O episódio, sobejamente amplificado, dos nomes de crianças ditos em voz alta, na Casa da Democracia, como quem enuncia uma lista de meninos mal comportados, que não entregaram os TPC, que merecem ficar de castigo, repete-se na televisão plantada sobre o balcão do café, onde me sento habitualmente, replicado nas cores vibrantes e sedutoras do canal noticioso, como numa série em que se recapitula o que acabou de acontecer no último episódio…

Levo a colher à boca, escaldo a língua, cuspo a comida…

— É a sopa, Ana? Está muito quente?

— Não. É a política.

A dona já me conhece pelo nome… É comum. Fácil de decorar.

— Não me leve a mal, mas vou ter de levar para casa…

Estou com uma indigestão na ética. Um refluxo moral.

— Claro… A Ana é que sabe… — diz a Joana (eu também a trato pelo nome), já a despejar a sopa da tigela.

Saio de sopa na mão, ainda a tatear o dano da queimadura com a ponta da língua, a contorcer o meu nome entre os lábios, a experimentar a pequeneza da palavra entre os dentes, a revirá-la como um rebuçado, daqueles que acabam logo, que demoram pouco tempo a degustar. Ana. Mastigo, a imaginá-lo mais comprido, mais intrincado, mais sofisticado: Anacleta, Ambrósia, Ana Lúcia… Nenhum deles me serviria, como uma roupa do tamanho acima, que tentamos fazer ajustar desajeitada.

Ana é pequeno, como o meu pequeno corpo. Escolhido à nascença como um prenúncio que havia de antever a criança minúscula que sempre fui, que na escola era sempre a mais pequena de todas, e por isso tinha o direito de reclamar “Pequenos à frente!”, enquanto furava entre os ombros dos meus colegas mais crescidos, para protagonizar as fotografias de turma.

Não havia diminutivo mais diminuto do que Ana. E por isso não tinha outro, um petit-nom ao qual responder. E o meu nome tornou-se tão parte de mim quanto outras partes da minha identidade: o que penso, o que faço, o que sinto.

“What’s in a name?, inscrevia Shakespeare nos lábios de Julieta. “O que há num nome?”, clamava a doce amante, ferida pela amargura de se ter apaixonado por Romeu, cujo nome de família colocava os jovens enamorados entre o fogo cruzado de uma batalha de rivais.

Como os nomes na televisão, os nomes dos........

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