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Bispo Abner Ferreira: A Legalização dos Jogos de Azar no Brasil: Uma Ofensa à Ordem Pública, à Dignidade Humana e ao Princípio da Moralidade Administrativa

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09.07.2025
Introdução

A discussão sobre a legalização dos jogos de azar no Brasil não é nova, mas ganhou fôlego no Congresso Nacional nos últimos anos. Argumenta-se que a regulamentação permitiria arrecadar mais impostos, estimular o turismo, combater o mercado clandestino e modernizar a economia. Contudo, tais justificativas, embora sedutoras em termos fiscais, ignoram aspectos fundamentais de ordem constitucional, social, ética e cristã.

Ao reduzir o debate à arrecadação, abandona-se a reflexão sobre os efeitos sociais e morais devastadores do jogo de azar: a destruição de famílias, o endividamento patológico, a exploração dos mais pobres, a corrosão da moralidade administrativa e o fortalecimento do crime organizado.

A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e exige do Estado políticas públicas que promovam o bem comum e a justiça social. A moralidade administrativa (art. 37, caput) não é um adereço retórico, mas um princípio vinculante que obriga o legislador a formular políticas éticas e coerentes com a missão do Estado de proteger os mais vulneráveis.

Legalizar o jogo de azar significa, em última análise, abdicar desse projeto civilizatório. Trata-se de oficializar um pacto perverso no qual o Estado se torna sócio institucionalizado da exploração do vício humano, convertendo a miséria, o desespero e a destruição familiar em fonte de arrecadação.

O objetivo deste texto é demonstrar que a legalização dos jogos de azar é incompatível com a Constituição, com a moralidade pública e com valores éticos fundamentais. Trata-se de um projeto injusto, regressivo, antissocial e inaceitável do ponto de vista cristão, que transforma o Estado em facilitador de um mal social.

1. Fundamentos Constitucionais e Éticos

A Constituição de 1988 não permite políticas públicas que degradem o ser humano ou explorem suas fragilidades psíquicas e sociais como mecanismo de arrecadação. A dignidade da pessoa humana impõe um mínimo ético constitucional que vincula o legislador. Esse mínimo não pode ser flexibilizado em nome de interesses fiscais.

Transformar o vício em ativo econômico significa criar um “imposto sobre o desespero” — um tributo informal e regressivo que transfere riqueza dos mais pobres para os cofres públicos. Esse modelo fiscal não apenas agrava desigualdades estruturais, mas contradiz frontalmente o compromisso constitucional com a justiça social (art. 3º, I, CF).

A moralidade administrativa, por sua vez, exige mais do que probidade individual dos agentes públicos. Obriga o Estado a formular políticas públicas coerentes com valores éticos, evitando legitimar práticas sabidamente nocivas. Regulamentar o jogo, mesmo com tributos e fiscalização, legitima uma indústria que lucra com a ruína mental, patrimonial e familiar de seus clientes.

Do ponto de vista ético-cristão, a legalização do jogo de azar representa traição ao mandamento de amar o próximo como a si mesmo. Não é compatível com uma sociedade justa criar políticas que se financiem sobre o vício, a destruição familiar e a exploração da vulnerabilidade humana.

A função social da economia (art. 170, III, CF) também impõe limites. A arrecadação pública deve derivar de atividades produtivas que promovam o bem-estar geral. Substituir esse modelo por uma economia baseada em jogos........

© O Dia