O Barraco é a Arquitetura dos Pobres
“O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma regra de ouro do comportamento social e o primeiro princípio de toda a ordem ético-social. A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada”.
(in Carta Encíclica Laudato Si, Papa Francisco, 2015)
I.
A demolição dos barracos nas cidades de Loures e da Amadora remetem para o problema grave de habitação que se vive novamente em Portugal, com especial destaque para as cidades que integram a AML (Área Metropolitana de Lisboa). Esta situação de grave carência habitacional afecta todas as categorias sociais que vivem do seu trabalho, mas é essencialmente grave nas classes migrantes desfavorecidas, étnicas e racializadas que vivem exclusivamente de um salário que ronda os oitocentos e os mil e duzentos euros mês.
Os moradores destes barracos são uma espécie de construtores e de arquitetos geniais, foram eles que construíram as suas casas em processo colaborativo-participante em autoconstrução, escolheram o sítio, desenharam as suas casas de acordo com o agregado familiar, resolveram o problema da água e da luz, das acessibilidades, convocaram familiares, amigos e deram início a uma obra aberta e total. A pobreza financeira levou-nos para a reciclagem de materiais, para o aproveitamento de outros que foram abandonados ali ou acolá. Estamos perante uma arquitetura verdadeira, básica e pobre de materiais que tenta fazer face aos rigores do clima e aos desafios da construção.
Perante um Estado que lhes nega o acesso a uma habitação digna, acessível e integrada na rede urbana e social, só lhes restou caminhar para a autoconstrução em terrenos sem função urbana e social, muitos deles propriedade municipal. Terrenos que se encontram próximos de vias de transporte, com facilidade de buscar água e luz de forma artesanal e ilegal. Os bairros de autoconstrução fazem lembrar aquela velha imagem do sujeito que morre de fome no meio da abundância. Ficar sem casa no meio de tanta casa parece-nos contraditório e antinatural, mas destruir os barracos-casas que foram produto de uma acção de autoconstrução sem garantir uma alternativa de abrigo durável para estas famílias, para estas mulheres, para estas crianças não é grave, é maldade e falta de humanidade. Todo este processo de destruição das casas dos moradores no Bairro do Talude Militar no concelho de Loures remete-nos para uma transformação do Estado Social em Estado Policial e Penal, com a gradual criminalização das ocupações e autoconstruções.
Será legitimo criminalizar, higienizar e penalizar todo aquele que não tendo resposta do Estado, coloca mãos à........
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