Imigração, direitos fundamentais, democracia e exploração
1. Desmascarada que está a existência de um (falso) problema de segurança associado à imigração de não europeus, parece, todavia, importante procurar entender a intranquilidade que esta realidade suscita em muitos portugueses e as consequências que daí advêm.
Nada melhor, pois, do que relembrar as reações e as respostas que a nossa sociedade e o poder político ensaiaram, então, relativamente às anteriores vagas migratórias, designadamente as ocorridas depois da descolonização e da queda do muro de Berlim.
2. Já depois do 25 de Abril, Portugal teve de defrontar-se com os imigrantes provindos de antigas colónias.
Tais imigrantes, contudo, haviam incorporado, pelo menos nas zonas onde a colonização foi mais efetiva, muitos dos princípios religiosos e sociais transmitidos pelos colonos portugueses.
Foi o caso dos imigrantes vindos de Cabo-Verde.
Provenientes das outras colónias africanas, Portugal recebeu, igualmente, desde o 25 de Abril, imigrantes, que, apesar da convivência com os colonos portugueses, mantiveram, no essencial, culturas absolutamente diferenciadas e valores (e credos) religiosos e sociais alheios à cultura do colonizador.
Lembremos os imigrantes provenientes da Guiné e de Moçambique e que professavam a fé islâmica.
Há, ainda, o caso dos portugueses e não portugueses provenientes das colónias da Índia, quando estas foram anexadas pela União Indiana, e dos indianos que chegaram depois da independência de Moçambique, onde muitos se haviam, entretanto, instalado.
Nos tempos mais recentes, os portugueses assistiram ainda a uma vaga de imigração brasileira.
Esta é social e culturalmente mais variada e capaz de competir, na luta pela concretização dos direitos de cidadania, com os portugueses.
De comum, todos estes imigrantes tinham e têm, porém, o facto de falarem português.
Por fim, recebemos, imigrantes que, comungando de uma mesma matriz cultural/religiosa dos outros povos europeus, só mais recentemente cruzaram a sua história com a do nosso povo.
Foi e é o caso dos imigrantes que nos chegaram, e chegam ainda, da Europa de Leste.
Uns vieram depois da queda do Muro de Berlim, outros chegam agora devido à guerra na Ucrânia.
Uns vieram trabalhar, outros, mais ricos, vieram, no fundamental, para fugir da guerra.
3. Os portugueses passaram, pois, a lidar com um fenómeno social relativamente novo e, por isso, causador de apreensões e medos.
Referimo-nos ao facto de a sociedade portuguesa – comparativamente a outros países europeus, ser, de há muito, bastante estabilizada e homogénea do ponto de vista cultural e linguístico – passar a ser confrontada com a incursão, no território nacional, de culturas diferentes entre si e diferentes da sua.
O que hoje espanta e parece incomodar muitos portugueses é, pois, o facto de o nosso país, tradicionalmente um país de emigrantes, se ter convertido, como acontecia já com outros países europeus, em um país de acolhimento, tornando-se, assim, num país culturalmente mais diverso.
Pertencentes a uma antiga potência colonial, habituada a impor a outros povos a sua cultura, língua e religião, os portugueses admiram-se, hoje, que, em alguns casos, os imigrantes pretendam continuar a assumir as suas culturas próprias, designadamente no plano religioso.
É o caso dos imigrantes que nos chegam, agora, da Ásia e que, na sua maioria, são muçulmanos e, por ora, não falam português.
4. Os descendentes dos imigrantes que recebemos depois do processo de descolonização desenvolveram, em pouco tempo, e já em Portugal, culturas ou subculturas locais específicas, diferenciadas das culturas de origem dos seus pais e distintas, também, da cultura portuguesa.
Refiro-me, por exemplo, às culturas suburbanas inspiradas em modelos afro-americanos, que conquistaram uma parte já considerável da segunda geração de cabo-verdianos e jovens negros provindos de outras colónias africanas, sendo muitos deles já portugueses.
O seu progresso resultou, entre outras razões, do inadequado processo de integração escolar, de uma desastrada e escandalosa........
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