Contorcionismos e exercícios de ginástica mental
De repente, assiste-se a uma vaga de antiamericanismo radical na imprensa europeia e, naturalmente, também na portuguesa.
Os escritos e comentários mais tremendistas não são, porém, agora, da autoria dos que, de há muito, eram e continuam críticos da política externa norte-americana e, noutro plano, afinal, do frágil e desatualizado aparelho político que, internamente, governa os EUA.
Recordemos, a propósito, os desequilíbrios estruturais, e também técnicos, revelados, ultimamente, pelo seu anacrónico sistema eleitoral federal.
Para os críticos antigos, mesmo que obviamente condenáveis, as fragilidades democráticas dos EUA não constituem propriamente uma surpresa: com mais ou menos deficiências estruturais, esse país sempre assim se governou e procurou governar os outros.
É, por isso, impossível esquecer o que, sobre tais críticos dos EUA, diziam, e insistem em dizer, alguns dos indefetíveis opinion maker nacionais e europeus, atuando como a guarda avançada dos interesses e, sobretudo, da hegemonia ideológica desse país.
Quem, por exemplo, ousasse e ouse criticar as repetidas – sim, repetidas – intervenções dos EUA na política interna dos outros países era, e segue sendo, considerado, de imediato, como um perigoso partidário das mais tenebrosas ideias e sistemas políticos avessos à democracia.
A superioridade da democracia americana sempre foi, e continua a ser, para os seus devotos propagandistas, um dogma. Um dogma que, como todos os outros, não necessita de comprovação e, muito menos, de abjuração. Um dogma que tudo justifica e que, por isso, impede qualquer reprovação, mesmo que pontual.
Permanentemente atentos à mais ligeira insinuação de que, por exemplo, certos golpes de estado na América Latina foram, em vários momentos, orientados pelos omnipresentes serviços secretos norte-americanos e de que, em tal ou tal atentado bombista na Europa, na Ásia ou na África se pode, pelo menos, adivinhar o dedo de tais serviços, logo um pelotão de intelectuais e académicos europeus, formados nos mais ignotos institutos de ciência política dos EUA, arrasam, nos media, quem cometeu, segundo eles, tal crime de lesa-majestade.
Bem podem, pois, escritores insuspeitos de esquerdismo, como Varga Llosa, contar – baseado em factos reais – as aventuras e desventuras de um presidente que, na América Latina, tendo tentado construir na Guatemala uma democracia inspirada no sistema dos EUA, foi afastado do poder por um golpe apoiado por tais serviços de intelligence, a pedido de uma sociedade norte-americana produtora e exportadora de bananas a quem tais devaneios prejudicava o negócio (Tempos Ásperos).
Ainda assim, tais comentadores da cena política internacional são incapazes de admitir que houve, e há ainda, evidentes e fortes abusos e intromissões por parte desse país imperial na vida das outras nações.
Não, não falo já do apoio, hoje geralmente admitido e comprovado, aos golpes de estado desencadeados contra os governos democráticos do Chile, da Argentina e do Brasil.
Não invoco, igualmente, as suas assumidas incursões militares – invasão é o termo feio e, logo, usado unicamente para soviéticos e russos – por exemplo, no Vietnam, no Panamá, em Granada, no Iraque e no Afeganistão.
Falo, também, das invocadas interferências que – mesmo que nunca totalmente esclarecidas – alguns dizem terem tido a indisfarçável inspiração de tais serviços dos EUA.
Refiro-me, neste caso, ao rapto e execução de Aldo Moro e, como foi recentemente revelado num bem fundamentado documentário espanhol que passou na nossa televisão, inclusive no atentado contra o próprio Carrero Blanco.
Sobre esse tipo de atuações e as graves implicações que tiveram na política europeia, importa ver, porventura, o filme de Andrea Serge, denominado “A Grande Ambição”, que inaugurou, este ano, o festival do filme italiano em lisboa.
Pois são agora, precisamente, tais........
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