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Apesar de você, amanhã há de ser outro dia…

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Chico Buarque compôs “Apesar de Você” em 1970, no auge da ditadura militar, pouco depois de retornar de um autoexílio de pouco mais de um ano na Itália. Não demorou para a canção ser censurada. Mesmo disfarçada de desabafo amoroso, nas entrelinhas ela criticava o regime autoritário, falando sobre censura e medo, mas também sobre a esperança de um futuro com mais liberdade.

Mais de meio século depois, “Apesar de Você” se torna atualíssima para dezenas de milhões de brasileiros hoje constrangidos ao silêncio. A música permanece viva não apenas como documento histórico, mas também como metáfora incômoda do Brasil contemporâneo. Em um país que formalmente vive sob uma democracia, uma imensa parcela da sociedade se reconhece em versos escritos para um regime de exceção.

Os paralelos são inquietantes. Não vivemos, é claro, uma ditadura clássica, com tanques nas ruas e Atos Institucionais determinando a suspensão formal de direitos. A semelhança é mais sutil — e, por isso mesmo, mais perigosa e assustadora.

Trata-se de um autoritarismo institucional, exercido em nome da defesa do Estado de Direito e do combate à desinformação.

Por se apresentar como virtuoso e contar com o apoio entusiasmado da grande mídia e da “classe falante” (artistas, intelectuais, professores universitários etc.), esse autoritarismo encontra menos resistência e se infiltra com mais facilidade no cotidiano.

A relativização da liberdade de expressão, os excessos do Judiciário e a perseguição a jornalistas e cidadãos comuns são exaltados como ferramentas de defesa da democracia. O controle do discurso público — seja por meio de censura direta, seja por decisões judiciais que definem o que é a verdade — cria uma realidade artificial.

O início da letra captura a essência de um poder........

© Gazeta do Povo