Escrevivência sobre o racismo e como tornei-me negro
MARCIO CAMILO, jornalista e mestre pelo programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da Universidade Federal de Mato Grosso
Eu devia ter no máximo uns 11 anos quando fui chamado de "preto safado" e de "frango de macumba" por um vizinho que, de tão branco, sua pele era vermelha. O motivo das ofensas foi porque estava brincando no gramado do condomínio e ele, lá do quarto andar, querendo dormir, escancarou sua janela e seu racismo. Havia outros meninos comigo, fazendo barulho tanto quanto eu. Todos brancos. Sobrou só para mim…
Depois do ataque, saí correndo assustado para casa. Eu tinha medo daquele racista declarado. Medo da confusão que isso poderia gerar, caso resolvesse relatar o episódio aos meus pais. Era muito novo para entender toda a complexidade e gravidade daquilo, num tempo, que por sinal, não se falava de racismo como se fala hoje. Também lembro de ter pensado que a culpa era minha: "quem mandou fazer barulho debaixo da janela do cara…". Assim, tranquei toda aquela dor em meu peito e joguei a chave fora. Só revelei essa história bem mais tarde, quando já estava adulto.
Aquele episódio de racismo na minha infância e tantos outros que se sucederam na minha adolescência e início da vida adulta foram se acomodando dentro de mim, como a estrutura racializada e naturalizada desse país assim o quer. E, assim, fui tocando o barco, sem muito tempo para tensionar as coisas. Era preciso estudar, trabalhar…
O peso invisível,........
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