Por que o Brasil ainda não rompeu com Israel e o que está em jogo
O sequestro da Flotilha Global Sumud por Israel, em águas internacionais, reacendeu no Brasil a cobrança pelo rompimento diplomático imediato. Mas por que Lula ainda não cortou relações? Este artigo mergulha no coração da disputa, do lobby sionista global à dependência tecnológica brasileira, revelando como o país equilibra valores humanistas com a estratégia fria da geopolítica. Uma análise estratégica, visceral e didática — que explica o presente e aponta os cenários do amanhã.
A madrugada de 1º de outubro de 2025 marcou uma virada objetiva no debate brasileiro sobre Israel. A Flotilha Global Sumud, composta por embarcações civis e centenas de ativistas internacionais, foi interceptada pela Marinha israelense em alto-mar enquanto navegava em direção à Faixa de Gaza. A operação incluiu abordagens violentas, uso de jatos d’água e artefatos de atordoamento, resultando na detenção forçada dos tripulantes e sua condução ao porto de Ashdod. O episódio provocou protestos imediatos e reações diplomáticas em diferentes capitais do mundo, além de intensificar a disputa jurídica sobre a legalidade de bloqueios e interdições em águas internacionais.
Entre os detidos estavam cidadãos brasileiros. O Itamaraty reagiu com nota oficial exigindo garantias à integridade física dos sequestrados, cobrando responsabilidade de Israel e reiterando a defesa da navegação em alto-mar e do direito à ajuda humanitária. O que até então era acompanhado com indignação e repúdio tornou-se uma questão direta de soberania nacional, com impacto consular e político imediato. O episódio não só expôs a escalada do conflito como trouxe o Brasil para o centro da cena de forma incontornável.
No plano internacional, a interceptação em águas fora da jurisdição israelense acendeu novo contencioso jurídico e político. Organizações humanitárias denunciaram a ação, países latino-americanos, europeus e africanos manifestaram repúdio, e associações de defesa da imprensa cobraram a liberação de jornalistas também detidos. Parlamentares estrangeiros e figuras públicas presentes na flotilha deram maior visibilidade ao caso, ampliando a pressão sobre Israel e sobre todos os Estados que ainda mantêm relações diplomáticas e comerciais com o regime de Netanyahu.
No Brasil, o episódio caiu sobre um terreno já tensionado. Desde 2023, o governo Lula assumiu posições firmes em instâncias multilaterais, denunciando crimes em Gaza e apoiando ações jurídicas internacionais, enquanto rebaixava gradualmente a relação bilateral. A detenção de brasileiros pela marinha israelense, porém, elevou o patamar da crise: já não se trata apenas de solidariedade à Palestina, mas de uma questão que atinge diretamente o Estado brasileiro. A discussão sobre a ruptura diplomática deixou de ser abstrata para se tornar concreta e imediata.
A pergunta que se impõe é clara: por que, mesmo diante de um histórico em deterioração, de medidas cautelares internacionais contra Israel e da comoção provocada pela Flotilha Sumud, o Brasil ainda não rompeu relações diplomáticas. A resposta não pode ser reduzida ao campo moral — onde já haveria razões suficientes. É no entrelaçamento entre ética e realpolitik, entre valores iluministas e engrenagens materiais de poder, que reside a explicação.
O precedente regional demonstra que a ruptura não é hipótese distante. Bolívia e Belize cortaram relações em 2023, a Colômbia em 2024. O caso brasileiro, entretanto, envolve dependências militares, tecnológicas e agrícolas, além de pressões externas e internas que tornam o cálculo mais complexo. O que está em jogo é a necessidade de compreender como o Brasil equilibra os imperativos do humanismo com a frieza estratégica da geopolítica. Esse é o ponto de partida da análise que segue.
O jornalismo comum se contenta em registrar acontecimentos, em narrar fatos isolados e entregar ao leitor uma sucessão de eventos sem costura. O jornalismo estratégico, ao contrário, nasce da convicção de que a realidade não pode ser compreendida sem método, sem leitura crítica da correlação de forças e sem a consciência de que cada ato político está inserido em uma trama de poder, ideologia e estrutura material.
Nesse sentido, a paixão e a emoção não são descartadas: são a bússola moral que orienta o olhar, lembrando que a luta por justiça, liberdade e dignidade não é neutra. Indignar-se diante de um Estado genocida, denunciar crimes contra povos inteiros e defender valores iluministas é parte fundamental da tarefa do jornalista que não abdica da humanidade. Mas se essa paixão não estiver ancorada na observação da realidade objetiva, ela se dissolve em moralismo inócuo.
O exercício dialético sobre a conjuntura exige observar as engrenagens ocultas: dependências tecnológicas, pressões econômicas, alianças diplomáticas, aparatos militares, redes de desinformação e lobbies organizados. Sem isso, qualquer análise se transforma em grito vazio. É por isso que o jornalismo estratégico une a indignação ética ao cálculo frio, a moral ao pragmatismo, a chama revolucionária ao mapa da correlação de forças.
Esse método não romantiza a luta: ao contrário, mostra que a transformação histórica só é possível quando se conhece profundamente a estrutura que se quer transformar. É nesse encontro entre paixão e materialidade que o jornalismo estratégico se faz arma de compreensão e de antecipação. Ele não apenas descreve o presente, mas oferece chaves para compreender o futuro.
Assim, ao abordar a relação Brasil–Israel, este artigo não se limita a afirmar que, moralmente, o rompimento já deveria ter acontecido. O jornalismo estratégico exige que se entenda por que ainda não ocorreu, quais mecanismos de poder o travam, quais são os custos de cada decisão e como esses custos se distribuem entre Estado, sociedade e forças políticas. Só a partir dessa leitura é possível propor saídas que sejam, ao mesmo tempo, justas e viáveis.
Sob a ótica da razão iluminista e dos valores universais da humanidade, não há dilema possível: Israel, ao manter uma política sistemática de massacre contra o povo palestino, consolidou-se como um Estado genocida, pária internacional e vergonha para o século XXI. Essa constatação não é retórica: ela se sustenta em décadas de ocupação, em relatórios sucessivos de organismos internacionais, em decisões recentes da Corte Internacional de Justiça e nas denúncias cada vez mais contundentes de organizações de direitos humanos. A permanência de relações diplomáticas e comerciais com um regime que perpetra tais crimes representa, objetivamente, um ato de cumplicidade.
A moral revolucionária, herdeira dos princípios iluministas e das conquistas democráticas modernas, exige que todo Estado comprometido com a justiça e a liberdade rompa imediatamente laços com um poder que naturaliza a limpeza étnica, a segregação e a morte em escala industrial. Não há espaço para neutralidade diante de crimes contra a humanidade. O silêncio, a omissão ou a manutenção de “negócios como de costume” equivalem a endossar a barbárie.
O Brasil, pela sua tradição de liderança no Sul Global, pela memória de sua própria luta contra regimes autoritários e pela relevância de sua diplomacia ativa em favor da paz, tem ainda maior responsabilidade em agir de forma exemplar. Manter relações com Israel significa legitimar um Estado que converteu tecnologia em arma de dominação, religião em justificativa de apartheid e a narrativa de segurança em escudo para genocídio.
No plano simbólico e cultural, o rompimento teria peso imenso. Seria a reafirmação do compromisso brasileiro com a vida e com a dignidade humana. Seria também um gesto de solidariedade com os povos oprimidos do mundo e de alinhamento com uma ordem internacional baseada em direitos, e não em privilégios de potências armadas. É nesse campo moral que o governo Lula já é cobrado: no coração da ética, o Brasil deveria ter isolado Israel há muito tempo.
No entanto, o jornalismo estratégico nos lembra que a política não se move apenas pelo dever moral. Se o rompimento imediato é o imperativo ético, compreender por que ele ainda não aconteceu exige analisar as estruturas materiais, as pressões econômicas, diplomáticas e tecnológicas que pesam sobre o Brasil. É justamente essa transição do campo moral para o campo estrutural que ilumina a complexidade do problema e revela por que a luta exige não só coragem, mas cálculo.
A relação entre Brasil e Israel nos últimos anos deixou de ser apenas uma questão diplomática ordinária e se transformou em um campo de batalha simbólico, estratégico e geopolítico. O fio que conecta 2023 a 2025 é marcado por episódios sucessivos de tensão, cada um aprofundando a erosão dos vínculos bilaterais e evidenciando que a ruptura total já não é uma hipótese distante, mas um desfecho em gestação.
Em 2023, os sinais de distanciamento começaram a ganhar contornos públicos quando o governo brasileiro assumiu uma postura crítica em foros internacionais, denunciando a escalada da violência em Gaza e........
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