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O movimento secreto que tenta redesenhar o Brasil: uma análise pós-prisão de Bolsonaro

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O Brasil atravessa a mais complexa reconfiguração de poder desde a redemocratização. A prisão de Bolsonaro expõe apenas a superfície de um tabuleiro onde redes clandestinas de financiamento, operações de inteligência, elites inquietas e pressões externas se movem para moldar o país ao seu interesse. Este artigo revela, em detalhes, como esse movimento oculto atua, quais são os seus próximos passos e que estratégia o governo e as instituições precisam adotar para proteger a democracia e reconquistar a soberania em meio à nova guerra híbrida que se desenha.

A virada silenciosa de novembro de 2025

O Brasil entrou em novembro de 2025 acreditando que estava assistindo ao desfecho de um ciclo. A prisão de Jair Bolsonaro, depois da tentativa grotesca de burlar a própria tornozeleira e de repetir a tática da fuga velada, parecia apenas o capítulo final de uma novela que já se arrastava há anos. O noticiário tratou o episódio como a consequência inevitável de uma vida inteira de ilegalidades. Mas a imagem do ex-presidente sentado no banco de concreto da Polícia Federal, tentando reorganizar o discurso enquanto sua base se fragmentava em pânicos e bravatas, não é o final de nada. É o prólogo de outra coisa: um rearranjo silencioso das forças que disputam o país.

Na superfície, a narrativa é simples: um líder golpista finalmente foi responsabilizado. Mas, abaixo dela, há movimentos que quase ninguém está enxergando. A prisão veio exatamente no momento em que o Estado brasileiro passou a desmantelar, de forma sistemática, as estruturas que sustentaram não só o bolsonarismo, mas décadas de poder cinzento. A ofensiva simultânea — policial, financeira, institucional e geopolítica — indica que a crise não é apenas política: é estrutural. E, como toda crise estrutural, revela mais sobre o futuro do que sobre o passado.

Bolsonaro é apenas o rosto visível de uma engrenagem muito maior. Sua prisão coincide com o avanço de operações que atingem setores intocados da elite econômica; com a desarticulação de redes clandestinas de financiamento; com a exposição de mecanismos de inteligência paralela dentro do Estado; e com a escalada de pressões externas que recolocam o Brasil no centro da disputa hemisférica. Não é coincidência — é confluência.

O país está diante de um ponto de virada discreto, quase imperceptível para quem só acompanha manchetes. O que está em disputa agora não é apenas a punição de um político, mas a tentativa de redesenhar — ou impedir que se redesenhe — o próprio mapa do poder brasileiro. Há um movimento subterrâneo atuando para preservar estruturas que sempre sobreviveram a qualquer governo, e outro tentando finalmente confrontá-las. Esse choque silencioso, invisível a olho nu, é o que realmente define o momento.

A fotografia deste fim de novembro não é a de um ex-presidente derrotado. É a de um país que, pela primeira vez em muito tempo, está olhando para dentro das suas fissuras mais profundas — e descobrindo que elas sempre foram maiores do que os personagens que ocupavam o palco. A pergunta agora não é o que a justiça fará com Bolsonaro, mas o que o Brasil fará com o que encontrou ao segui-lo até o fundo.

O desmonte da infraestrutura oculta do bolsonarismo e do centrão

Se a prisão de Bolsonaro acendeu o holofote, foram as operações da Polícia Federal que iluminaram o subterrâneo. A sequência de investigações que se tornou pública nos últimos meses — Carbono Oculto, Banco Master, combustíveis, fraudes financeiras bilionárias e redes de lavagem de dinheiro — expôs o que a política brasileira sempre preferiu não olhar de frente: a existência de uma infraestrutura econômica paralela que alimenta campanhas, sustenta grupos políticos, financia operações de influência e funciona como pulmão clandestino de poder. É ela, e não a retórica ideológica, que explica a persistência do bolsonarismo e a resiliência do centrão.

Pela primeira vez desde a redemocratização, o Estado brasileiro decidiu tocar nos nervos expostos dessa estrutura. A Carbono Oculto, ao revelar a simbiose entre o crime organizado, empresas de fachada e fundos de investimento com sede na Faria Lima, desmontou o mito confortável de que o crime e a política vivem em esferas separadas. O Banco Master, com os mais de 12 bilhões movimentados em operações fraudulentas, mostrou como uma parte relevante da elite financeira lucrou com zonas de sombra que sempre foram tratadas como inevitáveis. A PF atingiu, de forma direta, a engrenagem que financia campanhas, compra lealdades, irrig a redes digitais e sustenta a autonomia política de caciques que se apresentam como “moderadores”.

Esse é o verdadeiro terremoto — e ele é maior que qualquer prisão. Bolsonaro, para a extrema-direita, é substituível. O fluxo de dinheiro não. É por isso que os setores mais inquietos neste momento não são os seguidores radicais, mas empresários, operadores do mercado, intermediários políticos e deputados com vínculos diretos nessas redes cinzentas. Eles entenderam que o cerco não é moral, é estrutural. E que a continuidade de suas operações depende, agora, da capacidade de reconstruir rapidamente a proteção política perdida.

A razão dessa inquietação é simples: o modelo tradicional de poder no Brasil sempre se apoiou na fronteira turva entre legal e ilegal, formal e informal, público e privado. Essa fronteira garantiu autonomia para grupos que nunca dependeram totalmente do Estado, e que, por isso mesmo, sempre tiveram força para chantageá-lo. Ao atacar essa zona cinzenta, a PF não está desarticulando apenas crimes; está desfazendo a base material de um sistema político inteiro.

O bolsonarismo compreendeu isso cedo. Ele se apoiou em um ecossistema de financiamento informal que incluía desde doações milionárias sem lastro até redes de empresários protegidos por esquemas financeiros opacos. Assim, construiu a capacidade de operar campanhas permanentes, manter influência digital intensa e financiar estruturas paramilitares, digitais e territoriais. O centrão, por sua vez, sobreviveu historicamente em zonas muito semelhantes — por isso sua reação, neste momento, é menos ruidosa e mais desesperada.

A grande reviravolta de 2025 não é apenas moral nem judicial. É econômica e logística. O Estado está cortando o oxigênio. Quando a fronteira cinzenta perde ar, toda a arquitetura política montada sobre ela precisa se reinventar para sobreviver. É isso que acontece agora: um rearranjo do poder que não aparece nas manchetes, mas que determina o destino dos próximos anos. A disputa não é apenas institucional. É pelo controle das bases materiais que moldam o poder no Brasil.

A guerra subterrânea no aparato de Estado

O que acontece hoje dentro do Estado brasileiro não é mera disputa administrativa ou embate institucional. É uma batalha silenciosa por controle de território político, no sentido mais literal do termo: informações, fluxos, comando, legitimidade e capacidade de projetar força. Durante anos, a máquina pública foi capturada por grupos que operavam segundo uma lógica paralela de poder — generais convertidos em atores políticos, policiais federais organizados em facções ideológicas, servidores de inteligência trabalhando para redes informais, e uma parte do funcionalismo moldada pela crença de que o Estado existe para servir a uma causa e não à República. A crise de 2025 expôs esse sistema de dentro para fora.

O bolsonarismo não inventou a infiltração política no aparato estatal, mas levou essa lógica ao limite. Transformou a ABIN em arma de facção, instalou núcleos clandestinos de monitoramento, acionou servidores para produzir relatórios falsos, manipulou bancos de dados sensíveis, e criou estruturas de inteligência paralela que respondiam diretamente ao chefe do Executivo. Nas Forças Armadas, consolidou uma doutrina que confundia missão institucional com projeto ideológico; que via o presidente como comandante político e não constitucional; e que tratava qualquer limitação judicial como afronta militar. A fantasia de “Forças Armadas moderadoras” gerou um monstro: um corpo fardado que se entendia como guardião de um país imaginário.

A ruptura veio tarde, mas veio de forma inédita. A condenação de generais envolvidos na tentativa de golpe abriu um precedente histórico: pela primeira vez, o país viu que o manto da farda já não garantia impunidade automática. Ao mesmo tempo, investigações internas e externas começaram a desmantelar núcleos inteiros de inteligência e contrainteligência que operavam à margem da lei. A ABIN entrou em crise; setores da PF que antes orbitavam o bolsonarismo perderam proteção política; e quadros militares começaram a perceber que a continuidade da velha doutrina significaria o isolamento total das Forças Armadas frente à sociedade.

Esse movimento gerou um choque geopolítico interno que poucos estão analisando. Há hoje dois projetos disputando a alma do aparato estatal. O primeiro, comprometido com a reorganização institucional, busca........

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