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Gaza, Google e Guerra Cognitiva: a engenharia israelense da dominação global

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15.06.2025

A guerra contra Gaza não é apenas um massacre. É o experimento supremo da doutrina Netanyahu em sua forma mais refinada: um genocídio assistido por inteligência artificial, transformado em espetáculo global de guerra em tempo real, legitimado por uma máquina internacional de lobby, blindado por algoritmos, sustentado por uma narrativa hegemônica e protegido por uma moral invertida que criminaliza a verdade e santifica a barbárie.

Israel não é apenas um Estado nacional. É, desde sua fundação, um laboratório tecnopolítico avançado de um novo modelo de dominação planetária. Um modelo onde as fronteiras entre segurança, ciência, religião, cultura e propaganda foram dissolvidas, e onde a guerra já não se trava apenas por tanques ou mísseis, mas por dados, narrativas, algoritmos, vigilância e manipulação emocional. Entender Israel como um ator central da guerra híbrida global é reconhecer que o sionismo, como projeto de engenharia do poder, não se contenta com o controle territorial da Palestina. Ele avança — por meios diretos e indiretos — sobre as democracias centrais, os regimes do Sul Global e os sistemas de crença do Ocidente como um todo.

O sionismo é uma ideologia. E como toda ideologia de supremacia, não se sustenta apenas pela força: ela exige a fabricação de um universo moral, de um inimigo eterno, de uma causa incontestável. É nesse ponto que o sionismo se distingue do judaísmo. Enquanto a tradição judaica histórica, espiritual e filosófica floresceu na diversidade, na crítica ética e na busca pela justiça, o sionismo transformou essa herança em arma. Não representa os judeus do mundo — representa um projeto de colonização étnica, de expansão territorial e de dominação global travestido de redenção religiosa e autodefesa.

Essa diferenciação precisa ser feita com total clareza: criticar o sionismo de Estado não é ser antissemita. É, pelo contrário, um gesto de defesa do próprio judaísmo histórico, da paz entre os povos e da dignidade humana universal. Porque o que se observa hoje é a conversão do sofrimento judaico em escudo para práticas inomináveis, sustentadas por governos ocidentais que não apenas toleram, mas financiam e reproduzem a lógica israelense de guerra permanente como modelo exportável.

A guerra em Gaza expôs, com brutal nitidez, essa engrenagem. Mas ela não começa com os bombardeios — ela começa com o discurso, com a doutrina, com a operação de subjetividades em escala planetária. Começa com a suposta neutralidade das empresas de tecnologia que vendem ferramentas de repressão e vigilância. Começa com universidades cooptadas, com jornalistas silenciados, com parlamentos constrangidos por lobbies milionários. Começa, em última instância, com a normalização do sionismo como um valor civilizatório, quando, na verdade, se trata da mais avançada forma contemporânea de colonialismo informacional, repressivo e epistemológico.

Este artigo se propõe a expor, com precisão teórica e contundência política, como Israel organizou, ao longo das últimas décadas, um projeto global de guerra híbrida e operações psicológicas. Como a ciência, a cultura, a diplomacia, a religião e a tecnologia foram instrumentalizadas como armas de modulação comportamental. Como Netanyahu e o Likud radicalizaram esse projeto até o limite da barbárie legitimada. E como as democracias centrais, notadamente os Estados Unidos, se tornaram reféns — e cúmplices — de uma lógica que esvazia a política, destrói a ética e transforma os direitos humanos em retórica sem consequência.

Ao final deste texto, esperamos não apenas ter traçado um panorama crítico da atuação israelense no mundo, mas também ter oferecido uma chave estratégica: romper o silêncio, recuperar o sentido da crítica e reorganizar o campo de resistência global. Porque se há algo mais perigoso do que a violência de Israel, é o silêncio cúmplice que a cerca.

O Estado de Israel não nasceu como uma nação qualquer. Desde seu ato inaugural — a declaração de independência em 1948 — até suas primeiras décadas de existência, Israel foi erguido como um projeto de exceção histórica, um enclave colonial com sustentação religiosa, legitimidade emocional internacional e infraestrutura militar de ponta, tudo amparado por um sistema geopolítico disposto a permitir qualquer crime em nome de uma culpa mal resolvida pelo Holocausto.

A Nakba Palestina, que marca a fundação real do Estado israelense, não foi um subproduto da guerra — foi seu fundamento. Cerca de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras, 531 aldeias foram destruídas e suas ruínas ocultadas sob florestas plantadas artificialmente para apagar a memória. Essa política de limpeza étnica fundacional foi acompanhada de uma das primeiras campanhas sistemáticas de guerra psicológica moderna: transformou as vítimas em “ausentes”, reescreveu a história dos vencidos, fabricou a imagem de um Estado pequeno e ameaçado que precisava apenas sobreviver.

Desde então, a guerra tornou-se o código genético do Estado israelense. Não apenas uma guerra física — mas uma guerra narrada, justificada, ritualizada, exportada. Não há momento de paz em sua história. Cada cessar-fogo é uma pausa estratégica. A lógica de segurança total se tornou doutrina de Estado, um conceito mobilizado para justificar tudo: do apartheid interno ao assassinato de jornalistas, da espionagem global à anexação de territórios estrangeiros.

É nesse contexto que se forja a tríade fundadora da guerra híbrida israelense: tecnologia, religião e segurança. Israel entendeu desde cedo que, para existir como enclave ocidental em meio ao mundo árabe, teria que ser não apenas militarmente superior, mas cognitivamente dominante. Não bastava derrotar o inimigo externo. Era preciso redesenhar o campo discursivo global, instalar uma lógica de medo permanente e garantir que a crítica ao Estado fosse moralmente interditada.

Nas décadas de 1950 e 60, os serviços secretos israelenses se consolidaram como modelo de atuação irregular e de manipulação geopolítica subterrânea. O Mossad, fundado em 1949, e o Shin Bet, criado logo em seguida, não se limitavam a proteger a segurança interna: eles se especializaram em operações extraterritoriais, assassinatos seletivos, infiltrações e campanhas de desinformação. A ideia era clara: Israel deveria ter capacidade ofensiva onde quer que estivesse, mesmo sem guerra declarada. O inimigo seria identificado em qualquer parte do mundo — e eliminado.

Ao mesmo tempo, Israel passou a investir pesadamente em ciência e tecnologia como ferramentas de poder, com apoio financeiro irrestrito dos EUA. Os primeiros anos do Estado foram marcados pela criação de centros de pesquisa militar, tecnológicos e nucleares com forte articulação com a inteligência, criando uma relação simbiótica entre a pesquisa científica e o aparelho de guerra. Desde então, qualquer inovação tecnológica em Israel carrega potencial bélico, utilidade repressiva ou valor geoestratégico.

Por trás da aparência de uma democracia moderna, se consolidava um Estado de guerra permanente, onde a sociedade civil se confunde com os aparatos de segurança, e onde o cidadão comum é mobilizado para a guerra desde a infância — seja nas escolas, no serviço militar obrigatório ou na formação ideológica sionista. Nascia ali um tipo inédito de sociedade: o Estado cognitivo armado, onde cada sujeito é simultaneamente um corpo social, uma peça ideológica e um operador simbólico da ocupação.

Esse modelo foi aperfeiçoado e exportado. Israel passou a oferecer ao mundo seus métodos: doutrinas de contraterrorismo, vigilância eletrônica, controle de populações “rebeldes”, técnicas de interrogatório, tecnologias de reconhecimento e repressão. O que foi testado em Jenin e Hebron é vendido como solução em São Paulo, na Cidade do Cabo, em Nova Délhi, em Nova Iorque. O apartheid tornou-se benchmark.

Tudo isso, no entanto, começou em 1948. E não como consequência de uma guerra, mas como a fundação deliberada de um Estado estruturado para viver da guerra. Um Estado que, como disse Edward Said, “nunca se pensou a si mesmo como parte do Oriente Médio, mas como fortaleza da Europa em solo árabe”. Um projeto colonial de exceção, que só pode sobreviver enquanto o mundo aceitar, ou fingir não ver, que sua existência se sustenta no extermínio dos outros.

Benjamin Netanyahu não é apenas o mais longevo primeiro-ministro da história de Israel. É, na prática, o grande engenheiro da transição israelense para um regime plenamente tecnopolítico de guerra híbrida permanente. Sua trajetória política, que mescla formação estratégica nos Estados Unidos, carreira diplomática de bastidores e domínio absoluto da máquina de comunicação, o transforma em personificação da doutrina do sionismo 4.0 — uma doutrina que funde marketing político, operações psicológicas e tecnologias de controle em um único aparato de poder.

A formação de Netanyahu não é casual: graduado pelo MIT, fluente em inglês e moldado nos corredores de Washington, ele compreendeu desde cedo que o poder real no século XXI não se constrói apenas com armas, mas com narrativas, influência institucional e controle da percepção pública. Nos anos 1980, quando servia como diplomata em Nova York, já era conhecido nos círculos neoconservadores como um operador nato. Seus vínculos com think tanks como o American Enterprise Institute e o Hudson Institute revelam sua inserção profunda na elite estratégica dos EUA.

O momento mais revelador de sua estratégia internacional aconteceu em 12 de setembro de 2002, quando Netanyahu depôs diante do Congresso dos Estados Unidos como “especialista em terrorismo”, dias antes da decisão que levaria à invasão do Iraque. Naquele depoimento — que hoje é um monumento à manipulação — ele afirmou categoricamente que a queda de Saddam Hussein traria “consequências positivas” para toda a região. Mentiu sobre armas nucleares, comparou Saddam a Hitler e encorajou uma guerra que mataria mais de um milhão de pessoas. Sua fala não era apenas política: era uma operação psicológica contra a opinião pública norte-americana. Era guerra híbrida em sua forma mais pura.

Netanyahu entendeu, talvez melhor que qualquer outro líder contemporâneo, o novo campo de batalha onde política, mídia, psicologia social e tecnologia convergem. E moldou Israel para ser um império nesse novo território. Durante seus mandatos — que somam mais de 15 anos de poder real — ele transformou o Estado israelense em uma plataforma de exportação de guerra híbrida, utilizando o aparato público como incubadora de tecnologias militares e civis que seriam oferecidas ao mundo sob o rótulo de “segurança” e “inteligência”.

Sua aliança com as alas mais radicais do judaísmo ultraortodoxo e do sionismo religioso messiânico consolidou um regime de apartheid interno, onde a segregação, a violência seletiva e a desumanização sistemática dos palestinos se tornaram política de Estado. Ao mesmo tempo, Netanyahu promoveu a desconstrução da própria democracia israelense, interferindo no Judiciário, perseguindo jornalistas, censurando ONGs e blindando o aparato militar de qualquer escrutínio.

O Likud, seu partido, tornou-se não apenas uma sigla política, mas........

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