Decálogo de “Educação para a Cidadania”
1. Este texto pretende constituir um contributo para o debate em torno da Educação para a Cidadania (doravante EpC) e, a partir do mesmo, refletir acerca do tipo de escola, de família, de sociedade em que vivemos (ou achamos que vivemos…). A EpC, a implementar desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário, aborda várias temáticas, transversais a todas as áreas da sociedade, e tem como principal referência os Direitos Humanos (doravante DH); a saber: educação para o desenvolvimento; educação ambiental e desenvolvimento sustentável; educação rodoviária; educação financeira; educação para a igualdade de género; educação intercultural; educação para os DH, voluntariado; educação para a saúde e a sexualidade, e outros. A abordagem destes temas deve ser feita em todas as disciplinas e áreas disciplinares, em atividades e projetos desenvolvidos pelas escolas e, ainda, em colaboração com organismos, instituições públicas, e outros parceiros da sociedade civil, cuja pertinência na abordagem das diferentes dimensões de cidadania, se considere válida e desejável.
2. A partir desta primeira abordagem podemos questionarmo-nos, desde logo, como é que numa área disciplinar que pretende abarcar todas as dimensões do ser humano não há, na sua extensíssima lista de prioridades e áreas temáticas, qualquer referência a Deus (ou divindade), ao sobrenatural e à transcendência, à importância decisiva das tradições religiosas na vida humana ou, ainda, à Liberdade religiosa. A Religião sempre foi considerada um dos núcleos centrais dos DH*, e um pressuposto antropológico fundamental; retirá-la da experiência humana é amputar o Homem de uma das suas dimensões mais constitutivas e estruturantes. Terá sido um lapso? Obviamente que não! A Família, com todos os seus defeitos e limitações é, ainda assim, a instituição que desde sempre tem sido o pilar que dá coesão, consistência e estabilidade às comunidades humanas. Como se pode compreender que não haja qualquer tipo de abordagem ao tema da Família? (*Recorde-se que a Declaração Universal dos DH foi proclamada em 1948, na sequência das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, e a sua principal intenção foi precisamente criar um instrumento legal que prevenisse futuros atropelos da dignidade humana e, ainda, evitar que o Relativismo Jurídico pudesse vir a alterar e a reinterpretar os referidos DH, em função dos governantes de turno e seus interesses particulares e circunstanciais. Lamentavelmente, e contrariando as instituições e intenções iniciais dos seus proponentes (Eleanor Roosevelt, e outros), são precisamente as alternâncias políticas e as aritméticas parlamentares que atualmente definem quais os direitos que devem ser reconhecidos e promovidos, e quais os que devem perder relevância.
3. Esta área disciplinar, de acordo com a natureza abrangente, multidimensional, e integral, com que ela própria se assume e define, pressupõe “uma visão integradora das diversas áreas do saber, que atravessa toda a prática educativa”. Claro que o indivíduo que passa pela Escola deve, através desta “visão integradora…”, adquirir ferramentas e competências para, na medida das suas possibilidades, construir a sua própria biografia, perceber e intervir no mundo que o rodeia, fazer escolhas políticas, humanitárias; tomar decisões pessoais, livres e responsáveis. E a escola, muito contribui para isto; e ainda bem! Outra coisa, bem diferente, é uma escola que, ao precioso contributo, referido anteriormente, faz sobrepor uma intenção ilegítima de “construir” um certo modelo de sociedade, de ser humano, de família, de sexualidade e até de linguagem. A própria UNESCO defende que a finalidade da Educação “não pode ser um intelectualismo elitista, que privilegia o académico; ela deve visar, ao contrário, o desenvolvimento social”. E “Desenvolvimento social”, significa a construção de um certo tipo de sociedade, de um certo tipo de pessoa, a qual, percebe o mundo de determinada maneira, comporta-se de determinada maneira, de acordo com determinadas normas e padrões (está escrito nos seus documentos). Uma coisa, é um qualquer governo democraticamente eleito querer, legitimamente, promover por meio de normas, preceitos, e leis o seu modelo de Educação; outra coisa, bem diferente, é impor uma ideologia usando a Educação. No primeiro caso, a Educação é o objetivo (e ainda que possa ser criticável, é legítimo); no segundo caso, é um meio para impor um fim (neste caso, ilegítimo). Essa não é a função da Escola; a sua função primordial, sempre foi, e assim deve continuar, a promoção e transmissão do Saber e do Conhecimento.
4. Este modelo civilizatório, esta visão de sociedade, de mundo, até de Homem, importados de agendas internacionais, e subjacentes à construção da EpC, parte de uma antropologia materialista de Ser Humano e, portanto, redutora, parcial e incompleta. As dimensões física, psíquica e espiritual do Homem são interdependentes, e devem ser consideradas de forma integrada, não separada; logo, não apenas a sua dimensão física ou psíquica. Esta abordagem de natureza materialista está a ser implementada nas escolas, nas universidades, na cultura, nos media, na política, nas artes, no desporto… sem que a pessoa perceba que está a ser........
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