Peter Pan e a arte de descer das árvores
para a minha mãe
J. M. Barrie não foi uma criança feliz, e Peter Pan, a mais jubilosa e tresloucada das crianças, terá paradoxalmente nascido desse infortúnio. Talvez seja por isso que Barrie mitifica a infância: o seu irmão David morre, na véspera de completar 14 anos, enquanto patinava num lago gelado e a sua mãe cai numa depressão profunda que a leva a negligenciar o cuidado dos restantes filhos. Diz-se que o seu nanismo – Barrie mal chegava aos 1,6 metros – tivera uma causa psicogénica e que se devia ao total desamparo que padeceu nessa época. Em toda a obra de Barrie, palpita a nostalgia por essa mãe perdida. Em rigor, os seus livros tratam apenas de mães e filhos. Os homens, os pais, pouco lhe importam, e quando aparecem nos seus livros, geralmente é para fazer figuras. «Sempre que há coisas importantes a tratar em casa, o homem tem de sair. Para o homem, esse ser egoísta, rude e grosseiro, é chegada a hora da sua mulher.» E essas coisas importantes que há para tratar em casa estão sempre relacionadas com aquele vínculo irreplicável que existe entre uma mãe e o seu filho. Assomar a esse espaço de fascínio é o objetivo de todos os seus livros. Um espaço que não é ainda completamente humano, uma vez que as crianças muito pequenas são criaturas a meio caminho entre o mundo natural e o nosso.
The Little White Bird é o livro onde Peter Pan aparece pela primeira vez. Nele se narra que, antes de nascerem, todas as crianças foram pássaros, razão para o seu comportamento algo selvático nos primeiros anos de vida, e para o facto de, durante muito tempo, latejar neles o desejo de regressarem às copas das árvores. Depois começam a latejar-lhes outras partes do corpo, vão........
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