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Pedro e o denso silêncio dos peixes

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11.05.2025

O seu nome era Simão, filho e neto de pescadores de Betsaida. Ele próprio era pescador em Cafarnaum. Esta belíssima palavra portuguesa – que significa hoje ‘armazém’ e ‘caos’ – era por aqueles dias o nome de uma aldeia. Um Deus particularmente antropomórfico aproximou-se do barco, saudou o pescador e pediu-lhe que se desfizesse daquele nome e o substituísse por um patronímico da sua própria lavra. Ordenou-lhe que deixasse o Lago de Genesaré. Ordenou-lhe que abandonasse a enseada. Ordenou-lhe que largasse as redes. Ofereceu-lhe um nome – Pedro.

A rapidez e a estranheza desse baptismo começaram a embaciar, a perturbar o ambiente acústico em que Simão até então estivera imerso. Estas novas sílabas, a cujos sons ele teria a partir de agora de responder, a expulsão e o enterro das antigas sílabas que o haviam nomeado, a repressão das emoções e o abandono das pequenas fábulas que, aos poucos, durante a sua infância, se tinham associado a esses sons, eram por vezes traídas por certos comportamentos involuntários e inesperados: um cão a ladrar, louça a partir-se, o mar a crescer, um tordo, um rouxinol ou uma andorinha a cantar, faziam-no de repente desabar em lágrimas.

Segundo Cneius Mammeius, Pedro teria um dia confidenciado a Judas que o único arrependimento que alimentava relativamente à sua antiga ocupação não era o barco, nem a enseada, nem a água, nem as redes, nem o cheiro intenso, nem a luz que fica presa nas escamas dos peixes quando morrem naquela espécie de sobressalto: Pedro confidenciou que aquilo de que sentia falta nos peixes era o silêncio. O silêncio dos peixes quando morrem, o........

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