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Pasolini e o “manto diáfano da fantasia”

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16.03.2025

“Eis como te ensinam a não brilhar. E vê, contudo, como brilhas.” Esta frase de Pier Paolo Pasolini retirada de Lettere Luterane (1976) tornou-se celebérrima, a ponto de, em muitas citações recentes, chegar a ocultar a urgência do seu apelo contra o conformismo, contra a fealdade que todos os dias nos é imposta e contra a impossibilidade de dizer.

Brilhemos, pois. Mas sem esquecer que ninguém brilha sozinho. Lei da física, da etimologia e, portanto, da vida: para nos iluminarmos na escuridão, precisamos primeiro de deixar entrar em nós a luz de um outro. Etimologicamente, estamos condenados a tornarmo-nos diáfanos – do grego διαφανής (diaphanés), que deriva do verbo διαφαίνω (diaphaíno), «deixar passar a luz», «deixar brilhar através», por sua vez composto de διά (diá), «através» e φαίνω (phaíno), «mostrar», «revelar».

Em Física, um corpo é considerado diáfano quando apenas parcialmente é transparente, ou seja, quando através dele não é possível, com nitidez, ver os objetos, mas apenas os seus contornos.

A capacidade de nos tornarmos diáfanos para os outros não consiste, portanto, em escancarar a nossa existência numa frenética busca de luz, como quando abrimos as janelas num domingo de sol para desfrutar do perfume honesto das manhãs; não significa oferecer à primeira lâmpada humana que passa a paisagem que temos dentro – a nossa beleza interior não é um postal nem um souvenir.

A chave está inteiramente contida naquela partícula διά (diá), «através de»: desatar os nós das nossas resistências, do nosso medo de sermos julgados (enquanto, distraidamente, vamos também nós julgando), reduzir as barreiras que bloqueiam a luz. Afrouxá-las apenas o suficiente para que o outro, através de nós,........

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