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Borboletas, gratidão e a tristeza de van Gogh

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08.06.2025

No Appendix Probi, um códice escrito no mosteiro de Bobbio por volta de 700, mas por certo copiado de um documento mais antigo que dataria do século V e atribuído a um tal Probo, encontramos um elenco de 227 palavras que não corresponderiam às “boas regras” do latim clássico.

No referido Appendix, denuncia-se e censura-se a variante tristus, por conta da sua formação por analogia com maestus/laetus: em caso de necessidade, de acordo com o autor, deveria preferir-se a palavra tristis.

Quantas vezes passámos pela experiência de erguer os nossos olhos baços, partilhando, hesitantes, “sinto-me triste” com alguém que, em resposta, nos devolve, com a sensibilidade de um poste de electricidade ou do tal Probo, o mesmo olhar perplexo que um bovídeo devotaria à gravidade quântica em loop – “mas estás triste porquê?”

E quantas vezes somos nós os primeiros a dizê-lo a nós próprios, de manhã, em frente ao espelho, ainda sujos de sono? Pedimos ajuda para dissipar a nossa tristeza, e de volta dizem-nos que somos incómodos, inconvenientes, desajustados, impróprios para este tempo de felicidade febril e perene – “Não tens tudo? Estás a queixar-te de quê?”

“São irmãs”, disse Vincent com os seus botões naquela manhã de maio de 1890, quando ia pintá-las, “as borboletas e as flores são irmãs”.

A essa hora, em Auvers, as ruas e as aldeias cheiravam a pão e café. Nos campos daqueles arredores, a flor da lavanda e a folha do pessegueiro eram visitadas por negros abelhões. Doía-lhe um pouco o ombro direito de carregar o cavalete, e a sua barba ruiva picava. Para quê continuar a pintar se ninguém estava realmente interessado no seu trabalho? Sim,........

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