Borboletas, gratidão e a tristeza de van Gogh
No Appendix Probi, um códice escrito no mosteiro de Bobbio por volta de 700, mas por certo copiado de um documento mais antigo que dataria do século V e atribuído a um tal Probo, encontramos um elenco de 227 palavras que não corresponderiam às “boas regras” do latim clássico.
No referido Appendix, denuncia-se e censura-se a variante tristus, por conta da sua formação por analogia com maestus/laetus: em caso de necessidade, de acordo com o autor, deveria preferir-se a palavra tristis.
Quantas vezes passámos pela experiência de erguer os nossos olhos baços, partilhando, hesitantes, “sinto-me triste” com alguém que, em resposta, nos devolve, com a sensibilidade de um poste de electricidade ou do tal Probo, o mesmo olhar perplexo que um bovídeo devotaria à gravidade quântica em loop – “mas estás triste porquê?”
E quantas vezes somos nós os primeiros a dizê-lo a nós próprios, de manhã, em frente ao espelho, ainda sujos de sono? Pedimos ajuda para dissipar a nossa tristeza, e de volta dizem-nos que somos incómodos, inconvenientes, desajustados, impróprios para este tempo de felicidade febril e perene – “Não tens tudo? Estás a queixar-te de quê?”
“São irmãs”, disse Vincent com os seus botões naquela manhã de maio de 1890, quando ia pintá-las, “as borboletas e as flores são irmãs”.
A essa hora, em Auvers, as ruas e as aldeias cheiravam a pão e café. Nos campos daqueles arredores, a flor da lavanda e a folha do pessegueiro eram visitadas por negros abelhões. Doía-lhe um pouco o ombro direito de carregar o cavalete, e a sua barba ruiva picava. Para quê continuar a pintar se ninguém estava realmente interessado no seu trabalho? Sim,........
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