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As mãos e as sombras do perdão

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06.01.2025

Moby Dick é uma das mais importantes narrativas modernas. O título enfatiza a baleia branca e poderia até parecer que o seu verdadeiro ponto focal – Ahab, o capitão do Pequod, obcecado por vingança – se encontra na penumbra quando, na verdade, a obra de Melville é uma meditação sobre o perdão impossível, sobre a incapacidade de perdoar. O que nos poderia levar a concluir que um corpo é vulnerável não apenas por poder ferir e ser ferido, mas também por não conseguir esquecer a ferida que, de tão intensa, exige ser vingada, encontrar o responsável para marcá-lo na sua pele, destruí-lo e exterminá-lo. Mas será realmente assim.

A sombra do capitão Ahab é muito longa e todos nós já a sentimos nalgum momento: o facto de, atravessando a última noite do ano, à terna recordação de 365 dias que nos foram oferecidos, preferirmos petulantes resoluções de Ano Novo, melancolicamente cuspidas contra o rosto do tempo, confirma que cada um de nós persegue, na sua vida, a sua própria Moby Dick.

Curiosamente, a filosofia concentrou-se muito mais vezes no perdão do que no seu reverso, o seu malévolo e terrível duplo – a vingança. As cicatrizes são por vezes tão profundas que apenas o perdão poderia evitar um novo sangramento. No entanto, o perdão nem sempre consegue fazer com que as cicatrizes permaneçam fechadas. Por vezes, elas voltam a abrir, supuram e lá surge a vingança com o seu infernal rosto. É justamente porque é vulnerável que um corpo tem de perdoar. Talvez até precise de fazê-lo para desfazer aquilo que fez, para desfazer tudo quanto as suas palavras e acções provocaram.

O perdão, contudo, não é um dever, mas um dom e, como tal, é oferecido e pedido em troca de coisa nenhuma. Oferecemo-lo e pedimo-lo precisamente porque sabemos que nada, absolutamente nada, poderá compensar o mal, a ofensa. Sabemos que as cicatrizes daquela ferida jamais desaparecerão e, não obstante tudo quanto perdoamos,........

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