Nunca estive em Cantão antes. Mas Fernão Mendes Pinto sim e, de forma mais geral, na ‘Área da Grande Baía’ (GBA – Great Bay Area). A GBA é uma das maiores baías do mundo em trocas comerciais e culturais, um dos centros da civilização há séculos, um hub que liga a China ao mundo e onde muitos portugueses viveram e morreram. Faltava-me uma narrativa de viagem… antes de embarcar. A Peregrinação, claro! Mas, tendo em conta o ‘Sul da China’, também ‘Algumas cousas sabidas da China’ de Galeote Pereira. F. M. Pinto disse maravilhas de Guangzhou (Cantão), mas a aventura de Galeote é anterior e mais simbólica, tendo sido um dos primeiros europeus a escrever sobre a China de um ponto de vista pessoal: foi condenado a prisão perpétua mas uma comissão de inquérito detetou irregularidades no processo e ele acabou libertado e alguns dos seus algozes decapitados! Ele é dos primeiros a fazer uma análise útil para a Administração Comparada, ficando admirado com o sistema administrativo e legal chinês. Nem um português em Portugal teria visto um processo judicial revisto em função de uma comissão de inquérito, quanto mais um estrangeiro! Esta estória de Galeote Pereira daria para outra crónica pois a prática que o levou à cadeia (a mistura de soldado-mercador de saques) é uma das raízes históricas das práticas de corrupção em Portugal. Galeote deve ter tido um ‘choque cultural’ entre a sua prática de desprezo pelo ‘Outro’ e a prática de ‘benevolência’ de que foi beneficiário. Ora é exatamente sobre a ‘Benevolência’ que quero antes aqui deixar evidência num ensaio etnográfico exploratório. A ‘Benevolência’ é talvez o mais importante ensinamento de Confúcio e foi proposta como filosofia prática (“rituais”) de prevenção e educação de todos, mas principalmente de líderes e governantes, contra a corrupção. A ‘Benevolência’ (rén em chinês), de forma básica, caracteriza-se por práticas de empatia e altruísmo, de harmonia social e respeito mútuo, auto-aprimoramento e de um sentido de reciprocidade/justiça. Uma filosofia anti-corrupção proposta no século VI antes de Cristo (há mais de 2500 anos), cujo choque cultural com Portugal ficou registado por escrito no século XVI por G. Pereira e…sobre a qual nada sabemos em Portugal…nem queremos aprender!

A Área da Grande Baía é uma megalópole que liga as 9 cidades da província de Guangdong e as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau e foi um lugar importante para Portugal. Porventura ainda é! Nem sempre (ou talvez, quase nunca infelizmente) os portugueses têm consciência que as nossas viagens pessoais são um retorno. Porventura, podemos até dizer que esse é o nosso principal papel na actualidade enquanto povo nesta história toda: regressar, regressar sempre. Tornar a viagem um ritual para os nossos jovens não só seria extremamente útil para o crescimento dos mesmos (veja-se o Gap year em vários países), como deveria ser um imperativo de política externa, exponenciando as possibilidades de soft power daí decorrentes.

Hoje, como no século XVI, viajamos para a China com a cabeça cheia de........

© Observador