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Uma Liberdade Inconveniente

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18.04.2025

Um dos grandes pressupostos da modernidade, uma ilusória herança filosófica já desde Platão, é que, de algum modo, existe um plano, para não dizer, como Kant, um mundo, de objectividade que oferece ao Homem um critério sobre o que está certo e o que está errado. Esse alegado critério, ordenado por leis universais, perpétuas e inalteráveis, seria o elemento responsável por estruturar a realidade, não apenas material — que descobrimos através das ciências “físicas” —, mas, mais importante no que concerne os assuntos políticos, também a realidade humana moral na medida em que define o que é bom e o que é mau — e que desvendamos através das ciências ditas “humanas”. Nesse sentido, imaginou-se, como Bacon, por exemplo, que a modernidade aparecia como uma alvorada que viria libertar os homens de uma organização social baseada largamente no capricho místico da religião, dos mitos obscuros e vetustos da tradição então encarnados nas trevas de uma autoridade política e social castradora, embusteira e opressora, para uma nova realidade mais aberta, justa e racional — ou seja, o progresso da modernidade, então encarnado no liberalismo, vinha revelar a verdade científica: dos mitos para os factos, da religião para a ciência, da monarquia absoluta para a democracia plena de ética republicana.

A promessa consistia em desvendar um “admirável mundo novo” que, assente no primado do indivíduo, se propunha a inverter a própria da soberania, inaugurando-a de baixo, das pessoas, do povo ora feito soberano, para cima, para os governantes, ao invés do oposto que até aí reinara. Onde, naturalmente, conservadores do tipo ultra-montano, como De Maistre, por exemplo, vislumbraram nessa inversão o prelúdio da dissolução social, da anarquia e da destruição da civilização, já os liberais previram exactamente o seu contrário: o fim da arbitrariedade da vontade real e o triunfo da igualdade de condição e da liberdade de acção como valores que salvariam a civilização, guiando-a a um ponto máximo futuro que, melhor que ninguém, Marx soube vender, resgatando a promessa do velho Paraíso do além para a realidade terrena do aqui e agora — do “mito” para a “ciência”.

Ora, aqui entra precisamente a grande ilusão que sustenta, ainda hoje, o Zeitgeist do homem moderno: não apenas, como Smith descreveu no seu tratado A Riqueza das Nações, existe uma “mão invisível” guiando os mercados aos seus pontos óptimos entre múltiplos agentes racionais, como, seguindo os mesmos princípios, o sistema político encontraria novos e mais justos equilíbrios, precisamente porque os seus cidadãos, quando libertos pela educação estatal, bem iluminados pela doutrina liberal e tornados agentes racionais, seriam capazes eles também, nesse outro campo, de constituírem um espaço de discussão pública — um mercado, para todos os efeitos — onde as melhores e mais fortes ideias pudessem triunfar, levando os homens à descoberta daquele mundo racional, etéreo, e eterno, de luzes e razão que, em sendo alcançado, como recompensa, prometia o progresso, a paz, o bem-estar e a paz perpétua do reino dos fins — isto para citar Kant, um dos expoentes máximos da crença científica na razão que, em Koenigsberg, sempre à hora certa, nunca deixou de anunciar como casta, boa e pura. A ilusão, entenda-se, não está nos méritos do........

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