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O manicómio a céu aberto

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29.01.2025

Há perto de vinte anos, ainda o transporte de malas era, alegadamente, um exclusivo do motorista do homem que se tinha tornado Primeiro-ministro, participei num debate onde, a dada altura, se falou da insegurança que se vivia pelos subúrbios da capital. Eu mal havia chegado à idade adulta, depois de uma infância e uma adolescência sistematicamente prendada com assaltos, roubos e aqui e ali uns estaladões tomados sem resposta digna face ao medo de ver resplandecer o brilho de alguma navalha, a que nas televisões se chamavam «armas brancas». Queixei-me dos constantes roubos a que tantos, como eu, eram sujeitos diariamente, e de como essa prática era intolerável. Naquele debate, uma das intervenientes, então dirigente do Bloco de Esquerda, pedagogicamente procurou demonstrar-me o erro do meu queixume, pedindo-me exemplos concretos. Lá tive de lhe oferecer alguns, como um roubo de uns sapatos de ténis a alguém que conhecia e que tinha ido descalço para casa num daqueles dias. E a vetusta progressista, compreendendo onde queria chegar, isto é, à demonstração concreta de que o crime se passava diariamente por um punhado de trocos, encheu o peito de ar e, pacientemente, lá me explicou que o privilegiado dono das sapatilhas não tinha sido vítima de um crime, mas de um gesto de desespero por parte de alguém que, não andando descalço, não possuía os........

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