Uma cantiga de embalar
O ponto de vista dos teóricos da extrema-esquerda portuguesa relativamente à avançada eleitoral das direitas na Europa e em geral é de uma simplicidade confrangedora. Vejamos pois o fio do seu raciocínio: o capitalismo neo-liberal que grassa por toda a parte desde a década de oitenta do passado século está, como não podia deixar de ser, em «crise», e urge reconfortar as margens de lucro do capital ameaçado. Vai daí é necessário destruir o Estado Social laboriosamente construído à sombra supostamente das ideias keynesianas (numa sua interpretação mais que discutível, mas que fica para outra ocasião) desde os fins da Segunda Grande Guerra Mundial, e para esse fim o capitalismo conta com o fiel apoio dos partidos de direita mais assumida, que logo encarrega de fazer o trabalho sujo. E não se pense que a direita mais suave e a social-democracia ficam de fora destas acusações; também elas acabam por ser lacaios do capital.
Por outro lado, os mesmos teóricos afirmam sem hesitar que o «fascismo» está à porta. É um erro, dizem, pensar que a nova direita é um fenómeno novo relativamente ao fascismo de há um século, e que deve ser vista numa diferente perspectiva. Nada disso. Traz em si o ferrete do velho fascismo com a canga ideológica que o caracteriza, pois que é anti-democrática, autoritária, xenófoba, machista, racista e todas as coisas feias que se possam imaginar.
Já se sabe que a esquerda precisa destas invenções para sobreviver. Às vezes aparecem uns tantos mais lúcidos que encaram a nova direita com outros olhos, mas logo são criticados por se não aperceberem da alegada gravidade da situação. Mas continuo a ler os tais teóricos lusos. Nem sempre os compro expressamente, mas oferecem-me os livros deles pelo Natal e pelos meus anos, suspeito que já por brincadeira. Leio-os com atenção à espera de uma ideia original, de um argumento esperançoso. Ilusão. Claro está que disfarçam a secura intelectual que os caracteriza com uns substantivos retirados da análise sociológica (que é em si própria, e fora destas lides, muito respeitável) «para inglês ver» quais sejam conjuntura, contexto, entre outros, de modo a justificaram o que lhes passa pela cabeça.
Vejamos. Do ponto de vista daqueles intelectuais, o capitalismo está sempre em «crise», eternamente em «crise», e a resposta é sempre a mesma: a repressão. Daí o incontornável «fascismo». Este, por sua vez, dá provas de uma surpreendente vitalidade mesmo na cabeça daqueles teóricos; ora é plebeu, arruaceiro e caceteiro, ora civilizado, ora parlamentar, ora extraparlamentar, ora culto, ora inculto, ora maltrapilho, ora bem vestido, ora democrático, ora antidemocrático, ora aliado com o centro político, ora marginal. É caso para perguntar: com tanto fascismo aí à solta e sob tantas vestes como é que o vamos reconhecer? Só pode ser pela função «objectiva» que desempenha: servir de lacaio ao grande capital e garantir as convenientes taxas de lucro na sua recomposição. Tanto........
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