Uma Esquerda alheia à sua derrota
À luz dos resultados eleitorais, multiplicam-se os diagnósticos: os portugueses votaram mal. Trocaram, dizem, a solidariedade pelo egoísmo, a razão pela raiva, a inclusão pelo preconceito. A esquerda, ou o que dela subsiste, apressa-se a imputar culpas: ao populismo, à ignorância, ao clima político global, às redes sociais, à imprensa, ao medo.
Tudo serve para justificar o infortúnio, menos a hipótese mais incómoda: a de que perdeu porque já não representa os seus. Não representa os aflitos, nem os trabalhadores, nem os pequenos empresários sufocados por impostos. Não representa os jovens que partem. A esquerda não caiu por acaso – caiu porque há muito que deixou de traduzir a vontade geral do povo, servindo antes a vontade de alguns imposta sobre todos os outros.
O povo não é estúpido. Quando vota, fá-lo com base na sua experiência, e não em abstrações ideológicas. Aqueles que vivem sob salários indignos, com serviços públicos em declínio, sem casa acessível nem futuro previsível, não querem saber se o PIB cresceu ou se a taxa de pobreza ajustada diminuiu. Querem que alguém os veja. Que os ouça. Que os leve a sério. O erro da esquerda foi confundir a vontade de todos – ou seja, a soma de interesses particulares de grupos ativistas, classes urbanas privilegiadas e aparelhos do Estado – com a vontade geral: aquela que nasce do sofrimento comum, do que une o país, do que se partilha independentemente da profissão, do sotaque ou do código postal.
Em vez de escutar, a esquerda preferiu julgar. Transformou-se numa casta moral, convencida........
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