O aborto e as nuvens que, no horizonte, se adensam
A questão do aborto divide, quanto à sua opinião, as pessoas em três grupos: os que perceberam o que está em causa e são a favor da sua liberalização; os que perceberam o que está em causa e são contra a liberalização do aborto e os muitos indiferentes (por muitas razões e, principalmente, pela ausência de razões).
Ser indiferente é, numa sociedade democrática, perigoso, porque se está especialmente vulnerável às manipulações. E é por isso que uma das mais relevantes missões dos que se opõem ao processo de liberalização em curso é mobilizar e acordar os indiferentes.
Mas a questão decide-se nos que perceberam o que está em causa. E entre estes, no que faz com que se saiba o que está em causa e se determine a ser a favor ou contra.
Os que são a favor são-no, não pelas razões explícitas, mas pelas implícitas. E é aí que quero incidir a minha atenção.
Os que sabem o que está em causa e são a favor da liberalização ocultaram, desde o início, as verdadeiras razões, invocando razões que sabiam mobilizar os indiferentes. Assim emergiu a ideia de que era preciso liberalizar o aborto (não lhe chamavam assim, no início; apenas ‘despenalização’ ou outros ‘eufemismos’) por compaixão para com as mulheres que, ao abortarem (como se abortar fosse uma obrigação que se lhes impunha e a que tinham de se submeter…), tinham de optar pela clandestinidade, a que se associaram sempre números que deveriam convencer os indiferentes da inevitabilidade de acabar com a dita ‘chaga’ do aborto clandestino a que se atribuía a causa dos efeitos desta prática........
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