Volta, Mary Poppins
Para mim, a infância é uma imagem desvanecida, que eu tento pintar a cores, da Mary Poppins, interpretada pela Julie Andrews, a descer pelo céu esfumado de Londres, impávida e serena, segura por um chapéu de chuva preto que era mais poderoso do que qualquer paraquedas. Quando éramos crianças, a Mary Poppins era uma espécie de feiticeira, um sonho em forma de pessoa. Ela voava e fazia os outros voar, ela entrava em quadros pintados a giz no asfalto, ela dizia palavras difíceis como “supercalifragilisticexpialidocious”, mas tudo parecia simples e inexplicavelmente fácil de alcançar. Há poucos meses, revi a Mary Poppins e senti muitas coisas que nos escapam quando somos crianças (ou talvez não nos escapem assim tanto). É que nós, adultos, precisamos tantas vezes de ser salvos.
Dificilmente conseguimos esquecer a cena icónica em que aparece o Banco onde trabalhava o Senhor Banks, o pai das crianças. Retratado como um edifício impenetrável, intransponível a tantos níveis, cinzentão, uma prisão. Naquela caminhada até ao Banco, na noite em que é despedido, aquele pai tanto caminha para uma morte........
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