A hora dos predadores
Concluir que o mundo está em mudança, é algo tão elementar como irrelevante. O problema é que, no momento em que vivemos, sendo por demais óbvio que alterações substanciais estão a ocorrer no nosso modo de vida global, nem sempre é fácil compreender o que está em jogo. E, sem uma visão estruturada da realidade, não só não percebemos onde estamos, como muito menos temos a possibilidade de tentar antecipar o que pode vir a acontecer.
É, por isso, relevante, ouvir a opinião de observadores avisados e com conhecimento pessoal das alterações políticas globais. Alguém como Giuliano da Empoli que publicou, há pouco mais de 3 anos, um livro chamado “O Mago do Kremlin”. E fê-lo numa altura em que uma parte do mundo ainda sonhava com a Rússia dos Czares, transbordante de sofisticação e génio artístico literário ou musical, enquanto outra olhava para a pátria mágica de um sistema, supostamente igualitário, que iria criar o homem novo. Na prática, uns e outros manifestavam pela Rússia uma admirativa devoção.
Só que, como explicou Empoli em Maio de 2023, na Fundação Gulbenkian, aquando da abertura das Novas Conferências do Casino, a Rússia não é nada disso. A Rússia é antes uma Disneylândia de gangsters, que Putin mascara com criativas referências religiosas e históricas, pretendendo justificar o sagrado uso da violência com a defesa dos seus supostos direitos históricos.
Giuliano da Empoli publicou agora um novo livro que versa, desta vez, sobre as forças que submergem as sociedades liberais, forças essas que abrem caminho para um novo mundo não democrático e violentamente autoritário. No confuso ruído deste buraco negro que parece engolir o património intelectual e económico das últimas décadas, vale a pena tentar perceber o que se está a passar, para depois ambicionar intuir o que nos pode vir a acontecer.
O livro “A Hora dos Predadores”, ainda não traduzido para Português, tenta descrever a vasta transformação que está a acontecer. Empoli vai apontando paralelos históricos, procurando identificar e caracterizar os actores desta transformação. Pelo seu livro passam os seguintes temas: o suicídio das democracias, os impérios e a geoestratégia, os novos revolucionários e os senhores da tecnologia, que se descrevem em seguida.
Nos últimos 30 anos, os extraordinários resultados económicos da globalização retiraram da pobreza a esmagadora maioria da população do Globo, com a Humanidade a atingir patamares de riqueza que nunca antes haviam sido alcançados. Só que a abundância produz por vezes incómodos efeitos colaterais, e as elites políticas ocidentais, já sem causas económicas e sociais por que lutar, mergulharam na defesa de causas identitárias que laboriosamente foram inventando, ignorando expressamente os problemas que afectavam as pessoas. Múltiplas políticas em defesa de causas de género, LGBT , pró-imigração, anti-racistas, anti-colonialistas e anti-imperialistas, que no fundo, a esmagadora maioria da população nunca entendeu,........
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